Não perca nenhum dos nossos posts

quarta-feira, 1 de junho de 2016

O Melhor e o Pior de Totalmente Demais



Não existe uma fórmula de sucesso para uma novela. Uma junção de fatores, internos e externos, podem colaborar para isso. Em suma, novela nada mais é do que a arte de contar uma mesma história, mas de forma diferente, mudando uma coisa aqui, outra ali para sempre trazer uma novidade ao público. O que importa mesmo é a maneira como essa história será contada.

Totalmente Demais é a prova viva disso. É uma trama das mais simples e despretensiosas, com a atualização de um conto de fadas mais do que conhecido (o da gata borralheira). Entretanto, logo foi ganhando público, se tornando um fenômeno de audiência e repercussão e o maior sucesso do horário das sete desde Cheias de Charme (2012). O estouro foi tanto que se tornou o programa mais assistido da Globo em todas as praças quase que diariamente, vencendo inúmeras vezes a novela das nove (principal produto da Globo), e fez até a emissora mexer na sua tradicional grade de programação e exibir o último capítulo da trama em uma segunda-feira e reprisá-lo no dia seguinte no Vale A Pena Ver de Novo, além de um spin-off na internet (a websérie Totalmente Sem Noção Demais). Bixa, a senhora é destruidora mesmo!


Logo no primeiro capítulo, os autores traçaram muito bem os três núcleos principais da história: a vidinha mais ou menos da gata borralheira Eliza, que sofre com o padrasto abusador, sonhando com um príncipe encantado que vai tirá-la dessa triste realidade e que pode ter se materializado na figura de Arthur; o mundo cheio de glamour de Carolina, editora de uma revista de moda, às voltas com gente rica, elegante e nada sincera; e o dia a dia de Jonatas como vendedor de balas na rua para poder ajudar a mãe a pagar o aluguel e sustentar seus irmãos. Ao longo da primeira semana, esses três universos se colidem e ganharam sua forma definitiva.

Para escapar das garras do padrasto, Eliza foge para o Rio de Janeiro, onde se envolve numa confusão e acaba passando a morar nas ruas. No meio da saga da gata borralheira, dois pretendentes de peso surgem em sua vida e arrebatam seu coração. É o sapo Jonatas quem resgata a jovem dos perigos das ruas no melhor estilo conto de fadas, enfrentando os dragões bravamente e conseguindo um castelo seguro para o rapaz e sua amada viverem. Mas o romance do casal é interrompido pelo príncipe Arthur que, mesmo por motivos nada nobres, surge disposto em transformar a gata borralheira em uma verdadeira princesa, como ela sempre sonhou. Só que o príncipe dessa história está mais para sapo. Arthur apenas usou a garota como ferramenta de uma aposta feita com Carolina garantindo que conseguiria transformar aquela mendiga em uma modelo refinada e ganhadora do concurso Garota Totalmente Demais.


Em paralelo, segue a trama do casal Germano e Lili, donos da Bastille e organizadores do tal concurso, que enfrentam graves problemas familiares. Os dois nunca superaram a perda da filha Sofia e a galinhagem de Germano, que sempre dava em cima de Carolina, deixou a relação ainda mais frágil. Eram muitas feridas abertas e outras que demoravam para cicatrizar.

É interessante observar a estrutura de Totalmente Demais. Ela tem um esquema de rodízio na distribuição das tramas, onde um núcleo se destaca por vez, enquanto os outros assumem posições de espera até voltarem ao centro da história, dando espaço para todos os núcleos. Foi uma trama de fases, em estilo seriado, onde cada fase ficava focada em uma determinada história. O Garota Totalmente Demais que o diga. O longo concurso foi o mote central que permeou boa parte da história, mas acabou cansando pela enrolação e previsibilidade. Lembram que cada praga do Egito demorava uma semana em Os Dez Mandamentos? Pois na novela das sete, cada etapa do concurso durava mais de uma semana. A história do concurso, no geral, se resumiu unicamente na protagonista se preparando para cada uma das etapas e na Carolina armando para sabotá-la com a ajuda de Cassandra (sempre inutilmente, é claro).

De qualquer forma, o lengalenga do concurso foi necessário para que acompanhássemos a mudança na vida do trio principal. De garota pobre, selvagem e maltrapilha a top model de sucesso, Eliza amadureceu, superou seus medos e inseguranças e virou mulher aos olhos do público e de seus dois pretendentes. Arthur, por sua vez, sempre teve um comportamento um tanto irresponsável, mulherengo e imaturo; em parte, por influência de seu pai Maurice e isto se refletiu na péssima educação dada a Jojô. Porém, sua convivência com Eliza trouxe novas formas de ver a vida e a proximidade, devido ao concurso, despertou-lhe um novo sentimento. Assim como o clássico Pigmalião, que se apaixonou pela sua criação (a mulher perfeita), Arthur se apaixonou pela nova Eliza que ajudou a transformar. Com ela, descobriu o amor verdadeiro e, de quebra, ainda ganhou uma nova relação com a filha. Já Jonatas saiu das ruas, virou um executivo de sucesso e namorou Leila, com quem tinha um romance completamente diferente do vivido com Eliza. Todas as mudanças, no entanto, foram naturais e graduais, sem pieguice.


Os autores Rosane Svartman e Paulo Halm prometeram novos entrechos e desdobramentos para a trajetória da heroína após o concurso. E, a princípio, cumpriram à altura. Ainda na reta final do concurso, Dino, o padrasto de Eliza, assumiu feições monstruosas e reapareceu na vida dela com o objetivo de roubar o dinheiro que a menina conquistou ao ser eleita a modelo Totalmente Demais. Ele faz agora as vezes da madrasta má, em substituição a Carolina. Mas ele é pior: é o padrasto que tentou abusar Eliza e persegue a enteada com sede de vingança pela rejeição. É o Lobo Mau querendo comer a Chapeuzinho. Além disso, trouxe a revelação de que Eliza é resultado de um caso que sua mãe, Gilda, teve com o patrão, Germano, quando trabalhava como babá na casa dele. Foi a gota d'água para Lili, que se separou do marido e acabou se envolvendo com o ex-genro, Rafael, provocando a indignação do ex.

Superada esta trama, com a fuga de Dino (que viria a retornar apenas nas últimas semanas para o seu embate final com Eliza), muita coisa mudou na trama. Os coadjuvantes já haviam desenvolvido suas histórias e ganharam outras: Cassandra e a irmã Débora passaram a formar uma espécie de triângulo amoroso com Fabinho e o núcleo de humor de Curicica ganhou ares dramáticos com o atropelamento de Wesley que culminou nele ficando paraplégico.


E eis que Sofia, a filha de Germano e Lili, que julgava-se morta, reaparece mais viva do que nunca. E louca também. A partir daí, aquele conto de fadas leve e divertido passou a ser um filme de terror. Como se diz no futebol, em time que está ganhando não se mexe. Rosane Svartman e Paulo Halm, porém, mexeram e apostaram, na reta final, em histórias que desviaram Totalmente Demais do caminho que vinha seguindo. Houve uma mudança radical e a novela acabou descaracterizada com a volta da personagem e a revelação de que ela era uma psicopata incontrolável que queria se vingar de tudo e de todos. Na ausência de um grande vilão para atazanar a vida de Eliza, já que Dino tinha tomado um chá de sumiço e Carolina, apesar de usar métodos nada ortodoxos para conseguir o que quer, nunca foi uma vilãzona, os autores deram para Sofia essa função afim de não deixar que a trama caísse no esgotamento. O problema é que nada ali fez sentido. Somando o fato de que, além de ter dado um ar sombrio a uma história tão solar e alegre, Priscila Steinman decepcionou nas cenas em que foi mais exigida.

Aliás, a maioria dos vilões de Totalmente Demais foram bem canastrões. É o caso também de Paulo Rocha, cuja interpretação do vilão Dino se mostrou muito caricata e inexpressiva. Sérgio Malheiros ganhou um bom papel como o bandido Jacaré, mas também deixou muito a desejar. Outro erro de escalação foi Adriana Birolli, que viveu a antipática jornalista Lorena Domingos, que simboliza o sensacionalismo no jornalismo de celebridades. Adriana esteve péssima e sua atuação parecia mais uma cópia de papeis anteriores, como a Isabel de Viver a Vida.

O desfecho da trama de Sofia foi mais pesado e exagerado ainda: ela morreu (agora pra valer) baleada pelo cúmplice Jacaré com um tiro a queima roupa na frente dos pais. Se serviu para alguma coisa, apenas para unir novamente Germano e Lili, que tiveram que superar pela segunda vez a morte da filha. Apesar da audiência ter se mantido nas alturas, o esticamento da trama só a prejudicou. Vimos historinhas que começaram e terminaram de uma hora para outra, numa clara demonstração de que a trama estava enchendo linguiça. Exemplos: durou quase uma semana a viagem de Carolina, Eliza e Rafael ao Uruguai só para Carolina forjar um flagrante (dos mais bestas) entre Eliza e Rafael, fazendo com que Arthur e a ruivinha se separassem; a volta de Sueli, a mãe interesseira de Cassandra e Débora que abandonou as filhas e retorna de olho no dinheiro; o transplante de fígado de Jonatas após ser esfaqueado por Dino ao tentar salvar Eliza das garras do padrasto... Os autores pesaram a mão no melodrama potencializado.


Com todos os vilões devidamente punidos e todas as histórias já finalizadas, não restou nada demais para o último capítulo além de sabermos com quem Elisa ficaria no final. Segurar um final de novela apenas com o destino do principal triângulo amoroso pode ser arriscado, mas os autores desde o começo da trama sabiam o que estavam fazendo e escreveram a novela milimetricamente com tramas paralelas que "seguravam" esse romance. Puxando da memória, lembro-me apenas de uma trama que teve a decisão desse triângulo amoroso como trunfo em sua reta final: o clássico final de Roque Santeiro (1985), em que Viúva Porcina decidia na última hora com que ficaria, se com Roque ou Senhorzinho Malta (ela ficou com o Senhorzinho).

Com isso, ficou mais do que provado que o grande trunfo de Totalmente Demais foi esse romance. E foi mesmo. Os autores construíram muito bem duas belíssimas histórias de amor para a mocinha. Com Jonatas (cuja história era baseada no filme Luzes da Cidade), Eliza descobriu o que é o amor verdadeiro, o primeiro amor, o primeiro beijo, a primeira vez, o primeiro tudo. O amor incondicional do garoto por ela foi lindo e fofo de se ver. Já Arthur descobriu o que é o amor com a Eliza, que, por sua vez, amadureceu, desabrochou, aprendeu a superar seus medos e traumas e deixou de ser menina para virar mulher com ele. Não foi a toa que as torcidas Joliza e Arliza travaram ferrenhas rivalidades nas redes sociais. O público ficou bem dividido. Todos os entrechos foram muito bem explorados pelos autores e renderam ótimas cenas, que exploraram o talento e a química avassaladora entre os atores. Marina Ruy Barbosa impressionou com um amadurecimento incrível, Fábio Assunção retornou ao posto de galã com competência e Felipe Simas mostrou que terá um futuro brilhante pela frente na TV.

Lamenta-se, apenas, que os autores tenham chutado o balde para a coerência bem na reta final apelando com um golpe baixíssimo (o do melodrama do transplante de fígado) para favorecer uma das pontas desse triangulo amoroso (no caso, Jonatas). Acabou estragando a surpresa final, pois deixou bem óbvio que daria Eliza e Jonatas no final (e deu). Fábio Assunção e Juliana Paes também esbanjaram química, porém, faltou uma desenvolvimento melhor para o casal Carthur (que acabou terminando junto mais como um prêmio de consolação para Arthur).


Aliás, Juliana Paes merece um parágrafo só dela. Ela teve em Carolina a melhor personagem de sua carreira. O perfil mais complexo da história, extremamente dúbio, cheia de boas nuances, que passeou pela vilania e fragilidade o tempo todo. Ela fez muitas armações para prejudicar Eliza no concurso com o intuito de ganhar a aposta feita com Arthur. Porém, como ele se apaixonou pela mocinha, a personagem não interrompeu suas maldades, mesmo com o fim do concurso. A sua atitude mais condenável foi o plano elaborado com Rafael, onde os dois doparam a menina para simular que a mesma havia dormido com o fotógrafo, culminando no rompimento de Arliza. Entre muitas outras péssimas atitudes. Entretanto, no fundo, não passava de uma mulher frágil e frustrada que só queria ser feliz profissionalmente e no amor, além de conseguir ser mãe. A regeneração de Carolina foi muito bem desenvolvida e Juliana Paes brilhou divinamente.

São tantos nomes do elenco que se destacaram, mas vale citar: Pablo Sanábio, genial como Max, o destaque entre os coadjuvantes; Marat Descartes (Pietro), sempre competente; Carla Salle (Leila), que cresce a cada papel; Julianne Trevilson, no ponto como Lu, e Giovanna Rispoli, que acertou mais uma vez como a rebelde Jojo. Humberto Martins (Germano) e Vivianne Pasmanter (Lili) provaram que têm realmente uma química espetacular. Juliana Paiva estava ótima como Cassandra, mas a atriz precisa urgentemente interpretar uma personagem completamente diferente das que vem fazendo na TV, para não correr o risco de ficar eternamente estereotipada como a "maluquinha". Malu Galli (Rosângela) tem, literalmente, emendado uma novela na outra e é impressionante como ela se transforma a cada novo trabalho, fazendo com que a gente esqueça completamente o papel que ela acabou de fazer. Uma pena que Lavínia Vlasak (Natasha) não tenha sido valorizada como realmente merecia. Por fim, é impossível não celebrar as divertidas participações de Glória Menezes (Stelinha) e Reginaldo Faria (Maurice), dois auxílios luxuosos nessa constelação de tantos talentos.

Os autores também acertaram na abordagem de importantes temas, de forma precisa e muito superior a muitas novelas recentes das 21h. Uma delas é a questão do machismo e da violência contra a mulher, através do drama sofrido por Eliza com os assédios do padrasto e também com Gilda, que representou muitas mulheres que sofrem na mão de maridos agressores, mas sentem medo de denunciá-los para não perderem o sustento da família ou sofrerem represálias. Em alguns momentos, até mesmo Gilda usou de atitudes machistas, provocando conflitos com a filha Eliza. Outro bom tema retratado foi a homofobia, através de Max, agredido por pitboys na rua por ser gay. As Olimpíadas e Paraolimpíadas do Rio em 2016 também foram inseridas no contexto através de Montanha, professor de educação física em Curicica, e Wesley, irmão de Jonatas, que sofre um grave acidente, fica paraplégico e aos poucos volta a treinar.


Num modo geral, Totalmente Demais sai de cena com muito mais acertos do que erros. A novela veio atolada na fantasia, reunindo velhos clichês do folhetim numa roupagem moderna, bonita e atraente, com a leveza e comicidade que o horário pede, repleta de personagens carismáticos e casais apaixonantes. Uma clássica comédia romântica que trouxe histórias de superação e transformação, mostrando que todos podem, caso persistam, ser e conseguir o que querem.


Minha nota para Totalmente Demais: 8. Qual é a sua?



Visite a nossa fan page para assistir A Favorita, que está sendo exibida de segunda à sábado, sempre ao meio dia. Clique na foto para ver os capítulos:



Um comentário:

  1. O texto é muito e a direção mais ainda, isso se prende o telespectador.

    ResponderExcluir

Bora comentar, pessoal!

Poderá gostar também de

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...