A Record atirou no que viu e acertou no que não viu. Escrava Mãe foi uma novela que passou por tantos percalços antes de estrear que muitos passaram a duvidar da qualidade da história de Gustavo Reiz, que pretendia narrar a trajetória da mãe da famosa Escrava Isaura. A trama foi aprovada quando se buscava uma substituta para Vitória, novela de Christiane Fridman que não conseguiu ampliar os índices de audiência das novelas da Record. Entretanto, a novela perdeu a vaga quando a direção da emissora decidiu transformar o projeto da minissérie Os Dez Mandamentos em novela. Aí, ficou decidido que Escrava Mãe seria sua sucessora e a trama entrou em produção, realizada pela Casablanca e gravada em Paulínia, no interior de São Paulo. Depois, nova mudança: com o sucesso de Os Dez Mandamentos, a emissora decidiu dedicar a faixa das 20h30 apenas às produções bíblicas e, mais uma vez, Escrava Mãe foi deixada de lado.
Enquanto isso, as gravações da trama prosseguiam e foram tantos adiamentos e indefinições sobre sua exibição que Escrava Mãe foi totalmente concluída sem estrear, ficando engavetada por longos e longos meses, enquanto era promovido um reprisaço de quase todas as produções bíblicas da emissora. Até que a direção da Record, finalmente, decidiu abrir a faixa das 19h30 para lançar a novela. E a surpresa foi altamente positiva: Escrava Mãe mostrou-se a melhor novela da emissora em anos. O Ibope também respondeu positivamente, revelando que a Record acertou em cheio ao reavivar a nova faixa de horário.
Escrava Mãe foi um acerto em todos os sentidos. O texto de Gustavo Reiz foi correto, redondo e trouxe os principais elementos do bom e velho folhetim clássico sem pudores, apostando fundo numa história de amor proibido, cheia de idas e vindas e reviravoltas, além da ousadia de um final trágico (que já era esperado, mas, mesmo assim, deu um nó no coração). Além disso, tratou com muita propriedade de seu pano de fundo, o período da escravidão (abordou o tema de forma bem mais interessante que Liberdade Liberdade, como disse AQUI). Primeira novela que teve sua produção terceirizada nessa nova leva, o orçamento de toda a história da mãe da Isaura não paga nem o artefato de ouro falso na cabeça do Ramsés em Os Dez Mandamentos. O custo de Escrava Mãe foi infinitamente menor que o da novela do Moisés e, mesmo assim, o que vimos na tela foi algo de outro nível. Saiu o Egito antigo que mais parecia cenário de alguma produção mexicana dos anos 60 e entrou um Brasil colonial com uma fotografia belíssima.
Com uma carpintaria bem delineada, Escrava Mãe contou ainda com tramas paralelas interessantes e que não perdiam de vista a história principal. Entre elas, destaque para a saga de Filipa, que inicialmente se disfarçava de homem para circular pela boemia da Vila de São Salvador, até que se apaixona pelo poeta Átila, partindo daí uma envolvente história de amor. Outro núcleo que rendeu boas histórias foi o da taberna de Rosalinda Pavão, que movimentou a trama com sua rixa hilária com a baronesa falida Urraca.
Aliás, a produção foi muito feliz na escalação de seu elenco, todos muito bem em cena. Gabriela Moreyra, prata da casa, não decepcionou com sua primeira protagonista e o ator português Pedro Carvalho foi uma grata revelação. Os doiz esbanjaram química com o casal Juliana e Miguel. Isso sem falar em veteranos como Jussara Freire (Urraca), Antonio Petrin (Custódio), Luiz Guilherme (Quintiliano), Bete Coelho (Beatrice), Zezé Motta (Tia Joaquina) e Jayme Periard (Osório), entre outros, que emprestaram suas credibilidades à obra. Thaís Fersoza também se mostra cada vez mais madura e roubou a cena como a vilã Isabel. Merecem ainda destaques: Leo Rosa (Átila), Adriana Lessa (Catarina), Milena Toscano (Filipa), Roberta Gualda (Teresa), Sidney Santiago (Sapião), Lidi Lisboa (Esméria) e Fernando Pavão (Almeida). Escrava Mãe também contou com uma direção segura de Ivan Zettel e uma produção impecável da Casablanca, que abusou de uma fotografia mais naturalista, dando um ar cinematográfico aos takes.
Uma pena que uma novela com tantos êxitos como Escrava Mãe seja substituída pela enésima reprise de A Escrava Isaura. Por melhor que seja a novela de 2004, protagonizada por Bianca Rinaldi, sua produção é muito mais modesta que a de Escrava Mãe e as comparações serão inevitáveis. Aliás, é preciso mencionar que o autor não fez direitinho o dever de casa antes de bolar essa história "prequela" e a Record nem se preocupou, pois há incoerências vergonhosas e muitos erros de continuidade entre as duas histórias (falei sobre isso detalhadamente AQUI). De qualquer forma, a faixa das 19h30 da Record, recém-inaugurada, merecia ser continuada por uma produção inédita, até para consolidar seu público. Que Belaventura, também escrita pelo Gustavo Reiz e que deve substituir A Escrava Isaura, não demore muito a estrear.
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