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sexta-feira, 5 de agosto de 2016

O Melhor e o Pior de Liberdade Liberdade



Liberdade Liberdade começou sonolenta e excessivamente didática que aparentava ser um prólogo e levou um tempo até se estabelecer. Enquanto se desenrolava lentamente a história principal, a trama andava em círculos, dando destaques temporários a personagens e núcleos isolados (como o rapto de Bertoleza, a volta do marido violento de Dionísia, o sumiço de Alexandra, o drama do cego Ventura, etc). Talvez, por isso, apesar da boa audiência, Liberdade Liberdade não tenha gerado comentários, burburinho, nada (como havia falado AQUI).

A novela tinha a seu favor alguns trunfos que a tornaram atraente e faziam valer a pena, como o elenco enxuto com ótimos personagens (muito bem construídos), a reconstituição de época primorosa e ótimos ganchos. A trama só veio engrenar e caiu de vez na boca do povo em sua reta final, com a chegada do interventor Duque de Ega, o ápice da tensão sexual entre André e Tolentino com a primeira cena de sexo gay da história da teledramaturgia, os desdobramentos do casamento de Rosa com Rubião e o acirramento da luta dos rebeldes contra os mandos e desmandos da Coroa Portuguesa na colônia para livrar o Brasil das garras de Portugal. A partir daí, Liberdade Liberdade entrou num ritmo alucinante e de tirar o fôlego e apresentou tudo aquilo que ficou devendo nos meses iniciais: uma trama ágil e coerente com ligação histórica.

Confira os pontos positivos e negativos de Liberdade Liberdade.

O MELHOR: Retrato atual do Brasil


"Se algum crime eu cometi, foi ter amado". Foram essas as últimas palavras ditas por André antes de ser enforcado apenas por ter amado outro homem numa época onde isso era inadmissível e que, infelizmente, vem ganhando força no Brasil nos últimos anos. Liberdade Liberdade, apesar da trama de época, conseguiu fazer uma crítica bem atual com temas contemporâneos como a intolerância, a violência contra a mulher, a corrupção (pelos excessivos impostos cobrados pela Coroa) e, em especial, o preconceito e o conservadorismo, retratados em várias camadas de personagens da trama, como Dionísia (que se dizia "cristã", mas matava e usava um de seus escravos como objeto sexual), Branca (a vilã extremamente "religiosa" que chegou a transar com o noivo na igreja) e Rubião (cujo discurso lembrava muito o de deputados e pastores evangélicos que posam de "defensores dos valores da família brasileira"), enquanto a prostituta Virgínia e a "bruxa" Ascensão tinham condutas mais corretas do que a grande maioria do povo de Vila Rica. Questões latentes que existiam no Brasil da época e que ainda persistem até hoje.

Um bom exemplo foi a cena de sexo envolvendo Tolentino e André, a primeira entre dois homens na história da teledramaturgia brasileira, que, assim que foi anunciada, provocou revolta em setores religiosos e conservadores, mas atraiu o público e acabou chamando mais a atenção pela sutileza com que foi feita (relembre AQUI). Também achei bem interessante a abordagem que a novela fez mostrando que os preconceitos vigentes no país acabam se enraizando até mesmo nas próprias minorias, que algumas vezes também agem como seus agressores (vimos isso na trama através da prostituta que odeia homossexuais, do próprio homossexual que não admite sua sexualidade, da negra escrava que é racista com a negra alforriada, etc).

O PIOR: Falta de História


Uma boa referência de junção histórica e ficcional para novela é a minissérie Anos Rebeldes (1992), que deu conta de retratar a Ditadura Militar (1964-1985) sem perder as rédeas do romance central. Infelizmente, Liberdade Liberdade não deu conta de unir essas duas coisas. Apesar das alusões a vultos históricos (como Tiradentes, sua filha Joaquina e os inconfidentes, a Família Real Portuguesa e o lendário Mão de Luva), a novela não passava de um melodrama que poderia ser ambientado em qualquer época. Muitos assuntos importantes foram abordados de forma rasa, como o caso da escravidão (falei sobre isso AQUI). O sofrimento dos escravos, por exemplo, foi tratado como se fosse uma espécie de cenário, uma tela sem vida, sempre em segundo plano. A própria trajetória da "heroína" Joaquina deixou a desejar (leia mais embaixo). Ficou a imagem de que se investiu mais na história pessoal da protagonista em vez de sua relação com o pai biológico e os desdobramentos que culminariam na proclamação da Independência do Brasil. Não que a história da protagonista tenha deixado a desejar no todo, mas o contexto histórico poderia ser um pouco mais enriquecido neste ponto. Só nos dois primeiros capítulos (que abordou a Inconfidência Mineira e o enforcamento de Tiradentes) e na reta final (com a chegada do Duque de Ega e seus interesses escusos com Alexandra em matar Dom João VI e usarem os rebeldes numa conspiração para que a Espanha dominasse o Brasil) que vimos História mesmo.

O MELHOR: Elenco enxuto


Esse, talvez, tenha sido o ponto alto da produção. Um elenco enxuto em ótimos personagens, todos ricamente construídos. Com a prostituta Virgínia, Lília Cabral mostrou mais uma vez que tem o dom inexplicável de alcançar como ninguém a emoção do telespectador, repetindo a boa sintonia com Andreia Horta (que foi sua filha em Império), protagonizando cenas tensas e difíceis com Mateus Solano e mostrando bastante química com Dalton Vigh (química esta que não existiu em Fina Estampa, na época, em virtude dos péssimos personagens e da péssima história que receberam). Aliás, o sumiço de Raposo e a condução para a sua morte foi o maior equívoco dessa produção (leia mais AQUI e AQUI). Ok, a trama engrenou a partir daí, mas Raposo era um personagem muito querido e podia ter rendido mais. Desde O Clone, Danton não demonstrava tanta segurança em um trabalho na TV. Andreia honrou com maestria o protagonismo da novela e esbanjou química com Bruno Ferrari (muito bem também com seu Xavier), mas acabou sendo prejudicada pela trajetória irregular da sua personagem (leia mais abaixo). O Félix pode ser o papel de maior sucesso do Solano, mas o Rubião foi o seu maior momento na carreira, até então, e já pode ser considerado um dos maiores e mais odiosos vilões da teledramaturgia. Ele exorcizou completamente a bicha má de Amor A Vida. Caio Blat e Ricardo Pereira também merecem todos os elogios e se entregaram pra valer na cena de sexo que envolveu, respectivamente, André e Tolentino. O primeiro fugiu do estereótipo e trouxe humanidade, sensibilidade e respeito ao personagem, enquanto o segundo demonstrou a truculência e a mistura de sentimentos do personagem sem cair na caricatura. A homossexualidade foi bem abordada e entrou no contexto da novela. Destaque também para Maitê Proença (que despertou ódio e pena do público por sua amarga e cruel Dionísia), Zezé Polessa (que mesmo em um papel pequeno, conseguiu se destacar como a "bruxa" Ascensão), Chris Couto (Luzia), Yanna Lavigne (Mimi, que foi crescendo bastante na trama), Juliana Carneiro da Cunha (que liderou a trama paralela mais histórica da novela com sua Alexandra, defensora de um Brasil ligado ao reino espanhol travestida de rebelde pela independência; além de sempre ser bom sair da mesmice das escalações) e as participações pra lá de especiais de Thiago Lacerda (Tiradentes), Mel Maia (Joaquina pequena) e Letícia Sabatella (Antônia). 

O MELHOR: Branca e Mão de Luva


Sem dúvida nenhuma, foram os dois melhores personagens da novela e as melhores atuações de ambos seus intérpretes que merecem um parágrafo a parte. Nathalia Dill brilhou absoluta como a vilã Branca, que, em meio ao clima soturno e violento da novela, foi responsável pelos momentos mais cômicos (ou tragicômicos). A atriz apostou num sotaque mineiro carregado que acabou divertindo e deu o tom perfeito para a exagerada e voluntariosa vilã, cuja loucura e impropérios foram sendo explorados gradativamente. Mão de Luva, um bandoleiro que vive à margem da Coroa e faz sua própria lei, aos poucos, foi se mostrando também um personagem carismático e divertido, ganhando um merecido espaço, graças ao talento e à competência de Marco Ricca, que imprimiu um excelente tom sarcástico e sedutor ao salteador. Não à toa, seu personagem ganhará um spin-off (série derivada) exclusivo para a internet, intitulado A Lenda do Mão de Luva, em oito episódios a serem exibidos no portal Gshow/GloboPlay.

O PIOR: Trajetória de Rosa


Como eu disse anteriormente, Andreia Horta honrou com maestria o protagonismo da novela. O problema é que ela acabou sendo prejudicada pela trajetória irregular da sua personagem. Joaquina, a filha de Tiradentes, o mártir da Inconfidência Mineira, foi vendida como uma grande heroína revolucionária. Porém, na maior parte do tempo, Joaquina foi mostrada mais como uma mocinha frágil e romântica apaixonada por Xavier e que acabou caindo (burramente) nas investidas do vilão Rubião do que como uma heroína revolucionária. Sua luta para livrar o Brasil das garras de Portugal e seu desejo de vingança contra Rubião só veio a ser desenvolvido e intensificado bem na reta final, o que acabou sendo decepcionante. O último capítulo, aliás, serviu para enfraquecer ainda mais a figura de heroína destemida da mocinha, afinal, ela não fez absolutamente nada contra o sujeito que lhe violentou, entregou a cabeça de Tiradentes e matou seu pai de criação, sua mãe e (indiretamente) seu irmão de criação (falarei mais detalhadamente sobre o último capítulo da trama no domingo, no Melhor e Pior da Semana), uma vez que Rubião morreu foi pelas mãos da governanta Anita e Joaquina nem sequer teve um acerto de contas com ele. Aliás, o senso de justiça da jovem, em alguns momentos, soou pedante e panfletário.

O PIOR: Sexualidade exacerbada


Na primeira parte da novela, a trama contou com a sexualidade exacerbada demais. Muitas sequências de nudez das meninas do bordel de Virgínia foram completamente desnecessárias e não apresentaram contexto algum com a obra, nem acrescentou nada a história. Pareciam acontecer só para cumprir a cota de nu e sexo de novela das onze. Com o tempo, felizmente, a produção foi acertando o tom.

O MELHOR: Direção artística


Durante anos, a Globo se especializou em criar tramas de épocas com uma produção esmerada, criando um glamour inexistente à época imperial do Brasil. Quem conhece a história do país, sabe que a higiene e o saneamento básico era algo inexistente naquela época. O Brasil, por anos, foi um lugar perdido no planeta, sendo explorado, até o último momento, por Portugal, país que nunca se preocupou com a socialização e educação de seus colonos. E foi esta realidade que Liberdade Liberdade resolveu abordar (primorosamente). Basta compará-la com Escrava Mãe (que também se passa nesse mesmo período histórico). Talvez, para não chocar o público, a novela da Record mostra o Brasil como se fosse um país europeu, limpo e belo, o que sempre gerou críticas por parte dos historiadores. Já Liberdade Liberdade é uma novela suja, não tem glamour, as personagens femininas, por exemplo, têm pelos nas axilas, as roupas são, absurdamente, sujas e rasgadas, e as ruas de Vila Rica não são limpas, são cheias de ratos, com escravos perambulados e o calor infernal demonstrado através do suor dos personagens, com uma fotografia soturna. Uma proposta estética que combinou perfeitamente com a novela, que mostrou a realidade nua e crua, com cenas pra lá de chocantes e nada sutis.

O PIOR: Edição picotada


Esse, na minha opinião, foi o ponto mais sofrível da novela. Eu sei que a duração dos capítulos de uma novela das 23h sempre foi curta (cerca de 20 a 40 minutos), mas as cenas da novela foram excessivamente curtas. A trama ganhou ritmo meio que de curta-metragem. Mal você se interessava por um diálogo, ele era cortado abruptamente e a trama passava para outra história. As histórias paralelas, de tão picotadas que ficaram, não prenderam a atenção. Foi tanta coisa acontecendo em menos de um minuto que não dava nem tempo de comentar. Uma piscada e quando chegava ao final do capítulo ficava difícil saber o que mais marcou. Parecia que a novela tinha pressa em acabar. E isso acabou jogando um balde de água fria no telespectador em momentos de grande tensão.

Com média de 18 pontos, Liberdade Liberdade sai de cena sem ter tido o mesmo impacto e audiência de tramas da faixa das onze como Verdades Secretas e O Astro, mas teve um saldo geral positivo e agradou. Ainda assim, ficou com gostinho de que poderia ter rendido muito mais se tivesse tido o ritmo alucinante e de tirar o fôlego das últimas semanas desde o seu início.


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