Desde Vidas em Jogo (2011), a Record nunca mais conseguiu repetir grandes êxitos com seus folhetins. O fracasso retumbante de Máscaras (2012), seguido por outras tramas de fraca repercussão (como Balacobaco, Dona Xepa, Pecado Mortal e Vitória), fez com que a emissora deixasse de valorizar sua produção dramatúrgica. Neste cenário pouco acolhedor, Os Dez Mandamentos veio para operar um verdadeiro milagre na produção de folhetins da emissora de Edir Macedo. E conseguiu! Com média de 16 pontos, a saga de Moisés (Guilherme Winter) é a maior audiência da Record desde Os Mutantes (2007/08). Além de ter conseguido botar a dramaturgia da emissora nos eixos e ter reconquistado a vice-liderança no horário das 20h30, perdida para as tramas infantis do SBT, a trama ainda chegou a vencer a Globo em vários momentos, num horário em que a "Vênus Platinada" sempre foi líder absoluta. Por ter abalado a hegemonia da Globo, Os Dez Mandamentos entra para a história da teledramaturgia brasileira!
A trama adaptada por Vivian de Oliveira foi fruto de um trabalho que começou a alguns anos, quando a Record passou a apostar no nicho das minisséries bíblicas. Desde A História de Ester (2010), a emissora fez constantes melhorias nestas produções, alcançando know-how suficiente para que uma novela nestes moldes fosse possível. A cada nova minissérie, a produção evoluía a olhos vistos: Sansão e Dalila (2011) já apresentou qualidade superior; que foi superada por Rei Davi (2012); e que chegou a novo patamar com José do Egito (2013); que se tornou inferior se comparada à Milagres de Jesus (2014). Certamente, isso contribuiu para a formação de um público fiel. Os Dez Mandamentos veio nesta esteira e apresentou ao público uma produção ainda mais caprichada. A novela também foi ajudada pela rejeição colossal da novela das nove, Babilônia, que afugentou o público mais conservador, mas Os Dez Mandamentos teve seus méritos que também explicam seu sucesso. Confira abaixo alguns pontos positivos e negativos da trama:
Longe de ter sido tão conservadora como dizem, a novela teve traições, racismo, prostituição, tentativa de estupro, mortes e violência, mas tudo dentro de contextos que não subestimaram a inteligência do telespectador. Mais do que em qualquer outra produção bíblica, em 'Os Dez Mandamentos', a autora Vivian de Oliveira se permitiu total liberdade de criação, seja em relação à linguagem quanto ao texto, e não teve pudor algum em inventar personagens e histórias sem qualquer relação com a Bíblia. Grande exemplo disso foi a vilã Yunet, que serviu de óleo para fazer a engrenagem da novela rodar durante grande parte da trama. A personagem nunca existiu. Foi fruto da criatividade da autora. E você há de concordar comigo que sem a Yunet, a novela não teria a mesma graça, né? Isso deu um tom rejuvenescedor para a história, já tão contada e conhecida há séculos em várias outras produções. Felizmente, a novela ficou longe de ser um documentário da história de Moisés e marcou um golaço ao ser uma "obra baseada/inspirada".
A grande maioria dos atores de 'Os Dez Mandamentos' deixaram a desejar. O problema é que duas das atuações mais fracas da novela foram de Guilherme Winter e Sérgio Marone, que viveram, respectivamente, o grande protagonista e vilão da trama. O primeiro, com sua inexpressividade, foi ofuscado pelos vilões da trama e fez com que muitas cenas cruciais para a história tivessem seu resultado comprometido. Já o Marone, apesar de ter conseguido se sobressair mais que o próprio protagonista, foi um verdadeiro canastrão, cheio de caras e bocas exageradas e caricato. Salvo apenas alguns poucos bons atores que conseguiram brilhar em meio a um elenco tão irregular: Paulo Gorgulho (Anrão), Heitor Martinez (Apuki), Vera Zimmermann (Henutmire), Denise Del Vecchio (Joquebede), Camila Rodrigues (Nefertari), Larissa Maciel (Miriã), Giuseppe Oristanio (Paser), Zé Carlos Machado (Faraó Setti) e, principalmente, Adriana Garambone (a melhor atuação da novela), que fez de Yunet a grande vilã do ano e uma das melhores dos últimos tempos.
O MELHOR: História simples
'Os Dez Mandamentos' é uma novela que não exige muita reflexão do público. A história, além de já ser conhecida, é desenvolvida de forma linear, sem sutileza ou ambiguidade alguma. Tudo é muito bem explicado e claro, deixando o telespectador ciente da história que está acompanhando, o que deixou as reviravoltas da trama ainda mais envolventes. Para quem gosta de tramas despretensiosas, foi um prato cheio. Vivian de Oliveira ainda caprichou no drama, nos romances e amores impossíveis. Excluindo a natureza bíblica da história, muita vezes, Os Dez Mandamentos parecia apenas um melodrama açucarado, como muitas outras novelas.
O ponto mais sofrível da novela é o seu texto. Formal demais, reverencial demais, teatral demais... Não é porque o texto base é a Bíblia que precisamos manter aquele tom tão empostado. Sem contar toda aquela abordagem bíblica. Ok, é baseado na Bíblia, mas poderia ter uma veia mais histórica e menos panfletária. A Record já é um canal que aposta no público religioso. Explicitar isso é complicado quando se tem pessoas que não são tão religiosas assim assistindo à trama. Era como se a gente estivesse sendo catequizado a cada capítulo.
O MELHOR: Produção caprichada
Com a direção sempre competente de Alexandre Avancini, a Record desenvolveu o talento necessário e investiu recursos abundantes para conferir qualidade à sua produção. Ainda que tenha causado estranhamento em parte do público pelos figurinos e maquiagem deslocados da realidade, o alto investimento da Record valeu muito a pena, uma vez que o bom resultado pôde ser apreciado em quase todas as cenas. A sétima praga (com a chuva de fogo e granizo), por exemplo, foi a que proporcionou as melhores cenas da novela e os efeitos especiais mais caprichados.
Nada mais natural do que esticar um produto que traz retorno financeiro e prestígio para prolongar o sucesso. Foi exatamente isso o que a Record fez com 'Os Dez Mandamentos', mas exagerou na dose. Em sua fase de maior sucesso e repercussão, a emissora esticou ao máximo as dez pragas do Egito para que a novela ficasse mais tempo no ar. A autora havia planejado apenas duas semanas com todas as pragas, mas o negócio saiu do controle e começou a dar picos enormes de audiência. Para se ter uma ideia, a primeira praga começou em agosto e só terminou em novembro. Aja enrolação, né?! Na cena da abertura do Mar Vermelho, por exemplo, que fez com a história atingisse seu recorde de audiência e deixasse a Globo afogando no Ibope, a demora para mostrar as águas se dividindo e a caminhada do povo hebreu foi tamanha que daria tempo de abrir um oceano inteiro. Para isso, a Record apelou para várias mecanismos, em uma clara tentativa de enrolar o público de casa: com cenas arrastadas, criando diálogos desnecessariamente longos, explorando ao máximo as despedidas entre os personagens quando alguém estava prestes a morrer, mostrando os personagens derramando um oceano de lágrimas uns sobre os outros, dedicando longos minutos exibindo flashbacks, abusando do 'slow motion' (câmera lenta), exibindo caminhadas longas de um lugar para outro, mostrando conservas desnecessárias entre os personagens secundários sobre a vida dos outros, colocando mais de dez minutos dedicados a "cenas do capítulo anterior" e "cenas do capítulo de amanhã"... A falta de acontecimentos da história foi tão grande que, após a travessia do Mar Vermelho, a produção passou a respirar com a ajuda de aparelhos. Na boa, precisava de tanta enrolação? É o famoso "me engana que eu gosto".
Só fica a dúvida se Os Dez Mandamentos será um sucesso momentâneo da Record e, principalmente, sobre a durabilidade deste seguimento de novelas bíblicas que a emissora fará a partir de agora no horário das 20h30. Claro que a Bíblia ainda é uma fonte rica de grandes histórias, mas até quando o público se mostrará interessado nisso? Afinal, da mesma forma que a audiência parece se mostrar cansada do realismo das novelas das nove atuais, pode ser que a temática bíblica se esgote daqui a algum tempo. É algo que o canal precisa se manter atento para não perder a mão. Mas, por ora, os bons resultados de Os Dez Mandamentos mostram que a Record ainda tem potencial para marcar seu nome no rol da teledramaturgia brasileira com grandes produções e que existe sim boa dramaturgia fora da Globo. Esse é o lado bom da livre concorrência. Desperta a vontade em cada emissora de melhorar para agradar a clientela e, consequentemente, conseguir uma fatia maior nesse grande bolo chamado audiência.
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