Liberdade Liberdade é uma novela que toca em diversos temas cruciais bastante pertinentes para a sociedade brasileira. A corrupção da Coroa Portuguesa, o abuso de poder, a sociedade hipócrita, o feminismo, o combate à intolerância e ao preconceito e o ideal de liberdade sexual que são retratados no folhetim encontram eco no Brasil de 2016 através de personagens fortes que contribuem para que a trama flua bem. Porém, a um ponto a ser questionado: por que a novela não tem um personagem negro forte o bastante que sirva para combater a escravidão?
O racismo no Brasil tem sido um grande problema desde a era colonial e escravocrata imposta pelos colonizadores portugueses (época na qual se passa a novela das onze). Por mais que algumas pessoas insistam em dizer que não existe, basta dar uma breve pesquisada nas redes sociais para perceber que a discriminação por cor está presente como nunca, na internet, nas ruas, no trabalho, na escola. Esse é um tema pra lá de importante, mas que, infelizmente, vem sendo tratado de forma repetitiva e sem maior criatividade em Liberdade Liberdade.
O sofrimento dos escravos é tratado como se fosse uma espécie de cenário, uma tela sem vida, sempre em segundo plano. Em todo capítulo, vemos as terríveis condições de vida dos escravos (a maioria da população de Vila Rica), mas não há quase nenhuma história forte para a trama envolvendo eles. O que aconteceu com o romance entre Luanda (Heloisa Jorge) e Saviano (David Junior), infernizado por Dionísia (Maitê Proença), que nutre um fetiche pelo Saviano e o fazia de objeto sexual? Luanda era uma personagem cheia de nuances. Esperta e ardilosa, é uma negra preconceituosa e intolerante por pura ignorância, acha que os brancos são senhores por direito divino, o que rendia bons embates com Bertoleza (Sheron Menezes), escrava alforriada de hábitos refinados. Mas desde que foi "comprada" por Branca (Nathália Dill), virou uma espécie de "escada" para a vilãzinha subir e destilar seus impróprios (divertidos, não vou negar). E o Saviano só serviu até agora para mostrar a sua bunda em cena (e que bunda, hein!!!).
Falando na Bertoleza (irmã de criação de Joaquina/Andréia Horta e criada de igual para igual com a família Raposo desde pequena), ela é figura negra mais revelante para a história. Entretanto, embora tenha tido um entrecho interessante com seu sequestro (a ponto de quase ser escravizada), seus embates com Luanda e tenha até uma trama própria (seu romance interracial com Ventura/Vitor Thiré), ela serve mais como "orelha" da protagonista.
Outra personagem negra que poderia ter rendido mais é a Jacinta (Dani Ornellas). Ela foi capturada por Gaspar (Romulo Estrela) e vendida como escrava mesmo sendo alforriada, virou garimpeira de uma mina, onde foi torturada e abusada pelo feitor Malveiro (Bruce Gomlevsky), virou amiga de Bertoleza quando esta tinha sido sequestrada, conseguiu fugir e sumiu. Depois de mais de um mês sem dar o ar de sua graça na trama, retornou agora como uma nobre, casada com Omar (Bukassa Kabengele), e desejando vingança contra Gaspar e Malveiro. A trajetória da personagem foi muito mal construída e acabou não despertando a torcida do público, como deveria, com essa sua volta por cima e de vingança contra seus algozes. Celeste (Olívia Araújo), escrava preguiçosa e atrapalhada, serve como alívio cômico e até tem lá seus momentos divertidos, mas também é outra personagem negra que parece deslocada na história.
Enquanto isso, Escrava Mãe, outra novela que também se passa no início do século 19 e fala sobre a escravidão, vem tratando o assunto de forma mais interessante que a novela das onze.
Enganou-se quem achou que o tema da escravidão iria deixar o horário das sete da Record mais sério e dramático. Ao contrário da maioria das cenas de Liberdade Liberdade (que parecem puramente feitas para chocar), a emissora teve o cuidado de não chocar com cenas de tortura e espancamento e foca mais na dor e no sofrimento dos escravos. A novela vem mostrando a dura vida dos escravos no Brasil naquele (triste) período de forma bem envolvente e interessante. Os rituais do candomblé, a formação dos quilombos, os escravos fugões que fazem justiça com as próprias mãos contra os brancos, os senhores do engenho que treinavam seus escravos para lutarem entre si e faziam aposta para ver quem ganhava mais dinheiro com eles, a rivalidade e os conflitos entre os próprios negros nos quilombos... Assuntos bem explorados que couberam perfeitamente dentro da história, sem soar gratuito ou panfletário.
Apesar do regime escravocrata ser o vigente na Vila de São Salvador em Escrava Mãe, alguns moradores não concordam com o que vê nos lares dos poderosos coronéis. A frente de seu tempo, personagens como Tomás (Raphael Montagner), Filipa (Milena Toscano) e Átila (Leo Rosa) lutam com as armas que possuem para que o abolicionismo chegue ao Brasil. Os negros da história não ficam só em segundo plano e desempenham papel fundamental para a história (destaques para a protagonista Juliana/Gabriela Moreyra, sua rival Esméria/Lidi Lisboa, Tia Joaquina/Zezé Motta e a poderosa Catarina/Adriana Lessa). Escrava Mãe é uma boa referência de junção histórica e ficcional, sabendo entreter e retratar a escravidão na medida certa.
De qualquer forma, ainda é de se lamentar que os negros ainda são absoluta minoria na televisão e escalados em abundância apenas para novelas que abordam o tema da escravidão.
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