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terça-feira, 27 de setembro de 2016

Sem Domingos Montagner, Velho Chico entra numa espiral pesada e melancólica



Desde o início, Velho Chico tem como uma de suas características principais o tom meio sombrio e místico, com algumas cenas escuras. A trilha sonora também mostra dramaticidade, densidade e causa vários sentimentos conflitantes em quem ouve suas músicas. Isso sem falar nas histórias e cenas sobrenaturais, que não são poucas: a Gaiola Encantada (uma espécie de barco fantasma que navega pelo São Francisco com as almas de todo o povo do rio), as visões do além e previsões de morte de Ceci, as consultas de Cícero ao espírito do pai morto, aquela serpente assustadora na mansão dos Sá Ribeiro, as lendas relacionadas ao rio que dá título à trama, o ritual indígena que salvou Santo, o encontro de Tereza com a alma do amado, enfim...

Agora, depois da morte de Domingos Montagner, Velho Chico virou um puro exercício de melancolia. Ela, que nunca foi uma novela alegrezinha, ganhou contornos ainda mais tensos após o acontecimento. Assisti-la, nesse momento, é algo que proporciona uma experiência diferente e, ao mesmo tempo, dolorosa. É raríssimo um programa perder seu protagonista dessa maneira. Claro, tivemos outros casos de atores que morreram durante novelas, mas não como Montagner: além de estar no auge da carreira e cujo personagem era extremamente importante para a história, ele morreu afogado no mesmo rio no qual Santo havia ficado desaparecido. A vida imitou a arte, só que com um desfecho nada feliz. Por uma infeliz coincidência, no mesmo dia em que Domingos morreu, Santo não apareceu no capítulo levado ao ar de Velho Chico, que ainda mostrou o espírito de Martim surgindo no Gaiola Encantada e Encarnação quase morrendo afogada no São Francisco. É bom lembrar que essa foi a segunda morte no elenco da novela: o ator Umberto Magnani, que fazia o padre Romão, sofreu um AVC durante uma gravação da trama e faleceu. O que só reforça a ideia de que Velho Chico é uma novela sinistra.


Assim, ver Velho Chico agora é triste: não há como não notar que falta alguma coisa ali. A ausência de Domingos e a lembrança de sua morte é ressaltada a todo momento, seja pela trilha sonora dramática ou mesmo pela imagem do rio São Francisco, que teima em aparecer a toda hora em nossa tela. A sensação é estranha porque, ao mesmo tempo em que as imagens das águas são bem bonitas, não dá para deixar de pensar que o ator morreu próximo dali.

Mas Domingos continuou na trama. O capítulo desta segunda (26) da novela usou, pela primeira vez, o recurso da câmera subjetiva. Assim, os atores interagiram com a câmera, enquanto que o telespectador tem o ponto de visão do personagem que foi interpretado por Domingos Montagner, como se Santo estivesse em cena e fosse a câmera.


Óbvio que não é a mesma coisa, mas a alternativa encontrada pelo diretor Luiz Fernando Carvalho para suprir as últimas cenas da novela com Santo que faltavam ser gravadas (com algumas modificações, é claro) foi genial. Ver os atores todos contracenando com Santo desta maneira foi realmente bem emocionante para o público. Ao mesmo tempo que existia uma beleza diferente, uma luz que irradia a todos, existia uma tristeza grande ao sentir a ausência física do Santo. Houve ainda a voz do personagem, que foi tirada de diálogos de capítulos passados da novela. Essa receita tornou tudo bem delicado e impactante. Dá para imaginar a dificuldade e a emoção dos atores ao trabalhar desta forma. Especialmente Camila Pitanga, que testemunhou a morte do amigo e parecia estar bem tocada com aquilo tudo. Por mais que a cena fosse feliz (o casamento de Miguel e Olívia), seu olhar não conseguiu disfarçar a dor.

E isso se fez presente novamente no primeiro bloco do capítulo, passado na casa da família Dos Anjos, com Miguel e Olivia contando para toda família que iriam se casar e que estavam esperando um filho. Deu pra perceber que o Irandhir Santos tentou se segurar, mas os olhos não obedeceram. Assim como Lucy Alves, Zezita Matos, Giullia Buscacio e Gabriel Leone. Não há profissionalismo que aguente. Foi um brinde feliz, mas cujos olhares fizeram questão de contradizer. Cada sorriso para câmera foi um misto de homenagem, tristeza, ausência e dor.

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É óbvio que a emoção dos atores contribuiu e tornou tudo ainda mais real e comovente, mas, sem dúvida, a sensibilidade da direção fez essas cenas entrarem para a história da teledramaturgia nacional. Muita gente sentiu algum desconforto com as imagens. O clima de sofrimento que a novela instaurou, sem ao menos um bom refresco cômico, a tornou pesada e lacrimosa. Mas foi impossível não se emocionar e até chorar com toda a sequência. A novela perdeu seu protagonista em sua reta final, o que deixou uma lacuna irreparável, ainda mais porque não se optou por colocar um outro ator no lugar, nem inventar uma viagem para Santo. O que foi ótimo, pois a melhor homenagem que Domingos poderia receber é continuar sendo lembrado em um de seus melhores trabalhos na TV. A câmera subjetiva foi uma maneira de manter não só o personagem vivo, mas a memória de seu intérprete também. Triste. Mas lindo.

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