Todo folhetim precisa ter subtramas para a história central poder se sustentar por vários meses no ar. Caso contrário, não há criatividade e reviravoltas que consiga elaborar constantes conflitos para o núcleo principal se manter atraente por longos meses. Portanto, nada mais normal do que a criação dos enredos paralelos. E é fundamental que o autor desenvolva situações secundárias tão envolventes quanto a central. Porém, não é o caso de João Emanuel Carneiro. Apesar de ser um dos autores mais criativos e venerados da atualidade e ter escrito obras e personagens memoráveis e de sucesso que sempre caem na boca do povo, as tramas paralelas são o seu maior "calcanhar de aquiles".
Em Da Cor do Pecado, haviam três núcleos cômicos: a família Sardinha, liderados pela Mamuska (Rosi Campos), o casal Edu e Verinha (Ney Latorraca e Maitê Proença) e o núcleo de Pai Helinho (Matheus Nachtergaele), que, dos três, era o único que corria sem qualquer relação com o restante do enredo. Enquanto a ação principal se passava no Rio de Janeiro, o falso pai de santo aprontava todas no Maranhão. Apenas no início, quando a protagonista, Penha (Taís Araújo), amiga de Pai Helinho, morava lá no Maranhão, e no final, quando ele se mudou para o Rio, que o núcleo conversou com as outras histórias da novela. A família de Eva (Eliane Giardini) também viveu situações que pouco tinham a ver com a saga principal de Cobras e Lagartos. Se não existisse, não faria a menor falta, até porque a trama tinha um apelo cômico fortíssimo que ia desde os principais, com Foguinho e Ellen (Lázaro Ramos e Taís Araújo), até aos coadjuvantes, com a divertidíssima Milu (Marília Pera).
E até mesmo A Favorita, acusada de não ter tido núcleo cômico, ofereceu doses de surrealidade quando a ex-retirante Maria do Céu (Deborah Secco) se casa com o gay enrustido Orlandinho (Iran Malfitano), que depois vira ex-gay, e o cotidiano desse inusitado casal, totalmente dentro de um apartamento, passou a ser uma novela à parte. Com exceção do ótimo drama da Catarina (Lília Cabral), dona de casa que sofria violência doméstica do marido, Léo (Jackson Antunes), nenhuma trama paralela se salvava na novela. Gente, o que era aquele personagem maluco do José Mayer (Augusto César, ex-roqueiro que acreditava em extraterrestres)?! Surreal! E chata! Muito chata!
E nem mesmo o fenômeno Avenida Brasil escapou das críticas negativas. Nesse caso, em relação ao núcleo Cadinho (Alexandre Borges), cujo tom farsesco das cenas do malandro destoavam do restante do enredo. Enquanto a trama como um todo buscava o naturalismo, Cadinho e suas três mulheres surgiam com um proposital exagero que usava e abusava de situações pra lá de surreais e absurdas. Além disso, a história corria totalmente alheia à trama principal. Se Cadinho e suas três mulheres não existissem, a novela pouco mudaria. Até porque a história ofereceu alívios cômicos (ou tragicômicos) em personagens que orbitavam ao redor do núcleo principal e estavam bem mais integrados ao enredo, tais como, Leleco (Marcos Caruso), Muricy (Eliane Giardini), Ivana (Letícia Isnard), Adauto (Juliano Cazarré) e Zezé (Cacau Protásio), e até mesmo na grande vilã Carminha (Adriana Esteves).
A Regra do Jogo apresenta a mesma situação. Ascânio (Tonico Pereira) e Atena (Giovanna Antonelli), por exemplo, são personagens bem ricos dramaturgicamente e vivem numa atmosfera pesada e sombria, mas possuem uma dose de humor negro, sarcástico e irônico que quebra toda a densidade nas cenas. E não é que a dupla é bem mais engraçada que os ditos núcleos cômicos da trama?
O Morro da Macaca está para A Regra do Jogo como a Turquia estava para Salve Jorge, ou seja, poucos personagens dos muitos apresentados têm importância ou ligação com a trama central. É claro que não daria para colocar no morro só personagens chaves. Os coadjuvantes fazem parte. Mas poderiam ser em menor quantidade e ter alguma graça. É o caso do núcleo do funkeiro Merlô (Juliano Cazarré) e suas confusões amorosas com as dançarinas Ninfa (Roberta Rodrigues) e Alisson (Letícia Lima). As situações quase sempre se repetem a cada sequência, assim como a obsessão de Adisabeba (Susana Vieira) pelo filho. É um suplício ver aquele monte de personagens chatos na família do Feliciano (Marcos Caruso) em tão pouco espaço físico. Um tanto de gente sem função nenhuma naquela cobertura. Apesar de Caruso, Carla Cristina Cardoso (a empregada Dinorá) e Suzana Pires (a manicure Janete) se sobressaírem, o restante pouco podem fazer com situações que não atraem.
Também merece ser mencionado o quadrilátero amoroso envolvendo Tina e Rui (Monique Alfradique e Bruno Mazzeo) e Oziel e Indira (Fabio Lago Cris Vianna), com situações repetitivas de trocas entre os casais. Uma outra trama paralela, que não é de humor, mas também é pouco atrativa, é o núcleo de Domingas (Maeve Jinkings) com César (Carmo Dalla Vecchia). Inicialmente como um novo amor para ela, que sofria com a violência do marido Juca (Osvaldo Mil) em uma trama (mal) requentada de A Favorita, César, na verdade, se chamava Rodrigo e era um homem desaparecido que se culpava pela morte dos filhos em um acidente. As cenas de César são pouco atrativas em parte devido ao fraco desempenho de Dalla Vecchia, que outra vez interpreta um homem misterioso atormentado.
Como pode-se constatar, as tramas centrais sempre foram o forte das novelas do JEC. Já as paralelas, sempre foram um problema mesmo nas novelas de grande sucesso do autor, pois, em sua grande maioria, não acrescentam em nada à história principal. De fato, a história de vingança de Nina (Debora Falabela) contra Carminha (Adriana Esteves), o embate entre Donatela (Claudia Raia) e Flora (Patrícia Pilar), a história da facção em A Regra do Jogo e todas as tramas centrais das outras novelas do autor foram tão boas que são passíveis de perdão. Então só nos resta reservar os momentos das tramas paralelas nas novelas do JEC para tomar uma água, mexer no celular ou fazer xixi!
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