Como trazer um público que se afastou da TV de volta? Criar novelas para atrair telespectadores jovens e antenados como a ficção científica Além do Horizonte e a tecnológica Geração Brasil, ambas às 19h? Trazer uma aura de seriado à novela, como Avenida Brasil e A Regra do Jogo? Apostar em formatos seriados consagrados internacionalmente, como Dupla Identidade e Justiça? Lançar (tardiamente) um aplicativo (Globo Play) com vídeo sob demanda tal qual Netflix? Todas essas perguntas devem ter sido feitas ao longo dos últimos cinco anos na Globo. Todas, evidentemente, respondidas com atraso.
Hoje, as novelas viram que não tem como atrair esse público que afastou-se da TV aberta, abriu seus HDs para downloads ilegais de seriados internacionais e passou a assinar produtos da Netflix e TV paga. São, portanto, obsoletas (ainda que com qualidade extrema, como Velho Chico, Verdades Secretas, Sete Vidas, Além do Tempo e tantas outras mais recentes) e estão distante de quem é conectado. As séries, entre uma ou outra experiência bem sucedida, ainda tentam encontrar um caminho. O Globo Play, que oferece todo o cardápio da emissora, incluindo capítulos diários de novelas, tem relativo sucesso. Mas faltava mais.
Em 2015, iniciava-se o processo de criação de uma série original, diferente de tudo que já havia sido mostrado na TV aberta. Uma prisão, um reality show, acontecimentos sobrenaturais, terror, suspense. Estava criado o hype em torno de Supermax. Depois de todo o frisson criado (com direito a painel na Comic Con, referência para os jovens que devoram séries e tudo o mais do mundo dos quadrinhos em todo o planeta) e do adiamento (seria exibida no primeiro semestre, ficou para o segundo), a série estreou em uma iniciativa inédita. Pela primeira vez, a Globo disponibilizou toda a série no Globo Play. Diante do crescente da Netflix, que usa da estratégia ao liberar todos os episódios de uma só vez, a Globo viu nesse tipo de estratégia uma forma de manter o hype e mostrar: "Vejam, nós também estamos nesse jogo!".
Na verdade, quase todos os episódios. Exibida semanalmente às terças-feiras, na segunda linha de shows após a novela das nove, Supermax terá o seu último episódio exibido para todos, telespectadores da TV aberta e assinantes da Globo Play, em dezembro. Dos 12 episódios, 11 já estão disponíveis. E é aí que a história desandou. Pra que perder tempo assistindo pela TV, tendo que esperar semanalmente por cada episódio, quando se pode ver tudo logo de uma vez pela internet (e sem intervalo comercial)?
A tentativa de criar ainda mais hype com o lançamento de todos os episódios de uma só vez provavelmente não causou o que a emissora desejava. Haja vista que a série vem acumulando recorde negativo atrás de recorde negativo e acumula os números de audiência mais baixos já registrados por uma série da Globo na faixa horária de exibição, normalmente dedicada... A séries cômicas (como Tapas e Beijos e Louco por Elas) ou à novela das 23h. Outra tremenda bola fora da Globo: Supermax deveria ser exibida numa sexta-feira, após o Globo Repórter, um horário que a própria emissora costuma apresentar produtos, digamos, mais pesados (como foi o caso de Dupla Identidade, que também tinha elementos de terror e suspense).
Supermax é um produto de alta complexidade técnica. Por outro lado, derrapa em uma história com uma premissa interessante, mas que se mostra rocambolesca ao desenrolar da trama. A primeira (má) impressão começou ainda nas chamadas de estreia. Se antes havia um interesse por conta do formato aparentemente ousado que criou a expectativa de que Supermax seria um fenômeno ou, ao menos, criaria um novo padrão de produto seriado na TV aberta, ao lançar a série como “reality show”, a Globo cometeu outro grande erro.
Supermax é um produto de alta complexidade técnica. Por outro lado, derrapa em uma história com uma premissa interessante, mas que se mostra rocambolesca ao desenrolar da trama. A primeira (má) impressão começou ainda nas chamadas de estreia. Se antes havia um interesse por conta do formato aparentemente ousado que criou a expectativa de que Supermax seria um fenômeno ou, ao menos, criaria um novo padrão de produto seriado na TV aberta, ao lançar a série como “reality show”, a Globo cometeu outro grande erro.
As chamadas mostravam Pedro Bial, (ex-)apresentador do (famigerado para alguns, viciante para outros) BBB, no comando do reality show que dá nome à série. Os personagens, apresentados como participantes. A série, como um programa tal qual o BBB. O telespectador comum ficou confuso. Reality show? Série? O que é, afinal, esse novo programa? Caso pessoal: um familiar perguntou se nós, telespectadores, poderíamos votar para eliminar os participantes. Esse familiar não vê TV aberta com frequência, um ou outro produto. Não é nenhum desatento ou desinformado. Caiu na falsa armadilha, assim como milhares (ou milhões) de outros telespectadores completamente alheios. Supermax tornou-se refém de si mesma.
O telespectador que comprou a ideia de reality show desistiu. O jovem (quando digo jovem, não digo de faixa etária, e sim de comportamento) desistiu ao ver Pedro Bial como apresentador (ainda mais canhestro). Supermax, enfim, ficou presa à armadilha que ela própria criou. Tentou atirar em todos os lados: o telespectador que ama BBB e derivados, o assinante da Netflix que quer abocanhar todos os episódios de uma só vez, o jovem que ama séries e nem sai de casa para acompanhar. Atirou também em todos os formatos e gêneros: reality show, suspense, terror, sobrenatural, série. Errou todos. Errou feio. Errou rude.
Errou ao acreditar que o telespectador de reality show acompanharia. Não comprou a ideia por ver que aquilo é uma série e não poderia interferir nos rumos. Desistiu porque talvez não esteja acostumado a ver terror (é medroso e pudico). Quem faz binge watching (assistir vários episódios de uma só vez) achou um disparate não ver o último episódio. O jovem que devora séries viu as atuações, diálogos e situações canhestras e repetiu o mantra preconceituoso: “Ah, tinha que ser série brasileira, nada presta”.
É uma pena que Supermax não tenha engrenado (em números e repercurssão). A sua premissa é das mais interessantes. A impressão que tenho é que os criadores juntaram todas as ideias possíveis para criar algo teoricamente “ousado” e gastaram todas as balas na concepção de Supermax . A mistura não deu liga.
Supermax repete a estratégia: personagens com histórias clichês (o assessor parlamentar corrupto, a ricaça perua, o jogador de futebol problemático, o policial bem intencionado, o padre com traços psicológicos problemáticos) e atuações (mais por conta do roteiro do que pelos atores) pra lá de forçadas. Além disso, premissa natural em qualquer série, não há sequer um personagem que cause empatia. Essa empatia não é necessariamente pelo personagem justo, vide Walter White de Breaking Bad e Frank Underwood de House of Cards (ou, num exemplo bem brasileiro, vilãs de novela como Carminha, Nazaré e Odete Roitman).
Apesar de ser uma produção de apuro estético, novamente é mais um produto que aposta na embalagem em detrimento da história. Pese ainda o fato da série se passar em uma prisão no meio da selva amazônica, que poderia render lendas e sobrenatural “coisa nossa”. O caminho adotado, aparentemente, é o de exportar a série para outros países. Um erro. O que há de melhor em produto seriado (incluindo séries e minisséries) é o brasileiro. Exemplos não faltam: O Canto da Sereia, Amores Roubados, A Teia, Doce de Mãe, Dupla Identidade (mesmo com um pé em um conceito de serial-killeramericanizado), Os Experientes, Felizes Para Sempre?, Amorteamo, Ligações Perigosas (uma releitura do clássico francês, mas que poderia se passar no Rio de Janeiro daquela época facilmente), Justiça... Até mesmo fora da Globo, como A Lei e o Crime, Fora de Controle, Conselho Tutelar e Plano Alto, na Record, e Magnífica 70, na HBO (TV paga).
Ainda que preconceituosos afirmem que a TV brasileira não sabe fazer séries ou minisséries, os exemplos acima (entre uma falha e outra, encontradas também naquilo que é considerado o “padrão americano”), o melhor ainda é falar do Brasil, com formato do Brasil. O único caminho para o produto seriado brasileiro é falar de sua gente. Supermax, enfim, emula um formato feito para atrair um público que, certamente, dispensou o produto. Até mesmo os criadores e a Globo, apesar da pretensão, não apostaram tão alto quanto parece: não tem esteio e não pensaram em uma segunda temporada. Também, pudera: com tanta bala disparada, a arma ficou sem munição. A história, esse item primordial, tem que ser coisa nossa. E Supermax falha ao tentar criar uma mitologia (falarei sobre o fantástico 10º episódio no melhor e pior dessa semana, esperem!) que começa interessantíssima (os primórdios da prisão de segurança máxima), mas desemboca para um ritualístico sem sentido, quando poderia apostar em algo mais “brasuca”.