Uma vez sucesso, sempre sucesso! A reprise de Laços de Família chegou ao fim no Canal Viva marcada pelos altos índices de audiência para o canal pago e com grande repercussão nas redes sociais. Rever o folhetim pela terceira vez (sim, eu vi em 2000 e no Vale a Pena Ver de Novo) serviu para sentir saudade dos áureos tempos em que Maneco sabia criar um novelão, atestar a excelência da trama, mas também para reavaliar alguns pontos comprometedores que passaram despercebidos naquela época. Por isso, listo aqui o melhor e o pior de Laços de Família.
O MELHOR
Texto
Sem sombra de dúvida, sua maior qualidade. Foi com essa novela que Maneco confirmou a excelência de seus diálogos e seu potencial em desenvolver tramas folhetinescas com boa dose de realismo, o que garantiu a audiência da trama, se firmando, de vez, como cronista do cotidiano. As falas dos personagens soam como poesia. Suas histórias, suas lições, seus devaneios... Laços de Família, mais do que ver, é boa de se ouvir (tanto pelos diálogos bem escritos, quanto pela trilha sonora maravilhosa)! Sem contar que a trama, que Maneco retirou de uma notícia de jornal (em 1990, nos Estados Unidos, uma mulher tinha uma filha que estava com leucemia; então, ela engravidou para salvar a menina e conseguiu o que pretendia), foi muito bem construída, garantindo emoções a toda semana e desempenhos irretocáveis do elenco, conduzido pela direção primorosa de Ricardo Waddington. Novelão clássico!
Trilha sonora
Uma das melhores de todos os tempos. União perfeita de música sofisticada com apelo popular. Tudo nessa trilha remetia à novela: desde as ensolaradas bossas-novas, passando pelos hits ensolarados até as baladas mais românticas. Tudo tinha cara de sol, mar, Leblon e combinava com cada personagem. Destaco “Como vai Você” (tema da protagonista Helena num belíssimo arranjo e uma interpretação tocante de Daniela Mercury), “Próprias Mentiras” (tema de Íris na voz de Deborah Blando), “Solamente Una Vez” (tema de Alma cantada por Nana Caymmi), “Baby” (tema de Camila na voz dos Mutantes), “Man, I feel like a woman” (delicioso country que foi tema de Cíntia), “Save me” (da banda Hanson que embalava as cenas românticas de Camila e Edu), “Spanish Guitar” (tema de Capitu na voz de Toni Braxton) e “Love By Grace” (canção de Lara Fabian imortalizada na icônica cena em que Camila raspa os cabelos).
Helena
Regina Duarte que me perdoe, mas considero a (deusa) Vera Fisher a melhor Helena de todas as novelas do Maneco! A Helena de Laços de Família nunca ligou para isso de que “mulher depois de certa idade não pode fazer isso, não pode fazer aquilo” e foi muito humana, forte e decidida (inclusive, cheia de erros e imperfeições) e muito mãe ao abnegar certas coisas de sua vida e cometer algumas loucuras pela sua filha (que era um porre, mas era filha dela). Atraente e sensual, Vera foi a escolha perfeita para viver a protagonista, o que tornou crível seu romance tanto com o novinho Edu, quanto com o maduro Miguel. É o melhor trabalho na vida da Vera Fisher. Uma pena que, depois da Helena, tenha decaído tanto na carreira, chegando ao abismo com a Irina (aquela que só vivia sentada e só fazia a contabilidade em Salve Jorge).
Camila vs Íris
Totalmente compreensível a rejeição do público à personagem de Carolina Dieckmann, antes da doença que a humanizou (e a tornou mais digerível, embora ainda irritante com sua infantilidade e vitimização exacerbadas). Impossível torcer por ela e seu romance com Edu, tamanho era o cinismo com que se dirigia a mãe e a sem-vergonhice com que avançava sobre Edu quando este ainda namorava Helena. Por sorte, tivemos a espevitada Íris (melhor papel da Débora Secco) para colocar a “Judas” em seu devido lugar! Enquanto todo mundo na novela achava tudo lindo, fofo e romântico, Íris ficava chocada cada vez que via Edu e Camila juntos e jogava a verdade na cara dos dois pilantras, representando o público com louvor e dando graça a trama com suas picuinhas e provocações. Um perfil complexo, onde a maldade e a fragilidade se misturavam a todo momento. O seu amor e dedicação pelo machão Pedro também rendeu cenas hilárias.
Capitu
Mãe solteira, a bela se prostituía as escondidas para sustentar a família e o filho e fugia daquele esteriótipo de que toda garota de programa era uma maníaca sexual malvada e louca por dinheiro. Capitu foi uma personagem tão do bem e sofredora que acabou se tornando uma das personagens mais queridas da trama. Ela passou por uma verdadeira via-crúcis, que incluiu as investidas do obcecado Orlando (Henri Pagnoncelli perfeito), as ameaças do marginal e pai de seu filho Maurinho, a falsiane Simone e era atazanada pela despeitada Clara (Regiane Alves maravilhosa), que não admitia perder o marido, Fred, para ela. Embora tenha tomado algumas decisões equivocadas e até meio incoerentes (alguém sabe explicar porque, após Clara revelar seu ofício para todo mundo, Capitu se sujeitou a um casamento com o pior de seus clientes, Orlando, ao invés de ser feliz com Fred?!), esse foi o primeiro papel de grande destaque da Giovanna Antonelli, que a fez alçar voos maiores, tornando-se a mais nova estrela global.
Alma
Belíssimo trabalho de Marieta Severo (que lhe rendeu até prêmio de melhor atriz). Alma fez de tudo pelos sobrinhos órfãos, Edu e Estela. Por trás de tanta dedicação, no entanto, havia inúmeros segredos. Foi a pedrinha no sapato de Helena e implicou com a Camila, quando esta ficou doente. A atuação da megera e as suas artimanhas para fazer com que as pessoas dançassem conforme a sua música foi um dos grandes destaques da trama.
Miguel
Um plot muito poético da trama foi a exploração da solidão de Miguel, após perder a esposa e ter que criar de dois filhos jovens, Ciça (Julia Feldens) e Paulo (Flávio Silvino), este último com sequelas físicas do acidente que vitimara a mãe e, curiosamente, viveu na trama o drama que o próprio ator vive na realidade para tentar se reintegrar à sociedade. A relação de Miguel com Ciça foi uma delícia, transbordando amor e sintonia. Ela, com sua espontaneidade e sinceridade nas palavras, conseguia quebrar toda a formalidade dele. Tony conseguiu nos passar, por meio de um texto muito bem escrito, o vazio do personagem, que se enterrara nos livros e poemas para fugir da vida real. A sua paixão por Helena também rendeu belas cenas, apresentando um amor platônico e idealizado. E eu torci MUITO pelos dois (apesar dele ter sido compreensivo até demais com a Helena, que, verdade seja dita, brincou com os sentimentos dele).
Leucemia
Eu achei a Camila chata? Eu achei a Camila chata! Mas é preciso destacar o talento de Carolina Dieckmann, que apenas exerceu (muitíssimo bem) aquilo que lhe foi proposto, emocionando em cenas de forte carga dramática depois da virada que a sua personagem teve com a descoberta da leucemia. No capítulo em que Camila teve seu cabelo raspado por causa da doença (exibido originalmente em 11/12/2000, ao som de “Love By Grace”), 79% dos televisores ligados do país estavam sintonizados na novela. A produção trouxe para a tela uma sequência real, em que a atriz, aos prantos, tem as suas madeixas loiras tosadas na frente das câmeras, se tornando uma das cenas mais memoráveis e emocionantes da história da nossa teledramaturgia.
Essas imagens, inclusive, foram usadas posteriormente numa campanha da Globo sobre a doação de medula. Por essa campanha, a emissora foi a ganhadora do “BitC Awards for Excellence 2001”, na categoria “Global Leadership Award”, o mais importante prêmio de responsabilidade social do mundo. Isso só confirma a habilidade do Maneco em aliar uma boa narrativa com merchandising social. Nenhuma novela mostrou tão bem o tratamento do câncer passo a passo como Laços de Família. E isso se refletiu na vida real. De novembro de 2000 a janeiro de 2001 (enquanto a novela esteve no ar), a média de cadastrados no Registro Brasileiro de Doadores Voluntários de Medula Óssea (REDOME) saltou de vinte para novecentos por mês (um crescimento de 4.400%). Um ótimo serviço prestado pela novela!
O PIOR
Machismo velado
A reprise de Laços de Família serviu para que eu pudesse notar a construção de estereótipos machistas velados, incapazes de serem percebidos por mim quando a vi pela primeira vez.
José Mayer é o galã desejado por dez entre dez telespectadoras. Mas é inadmissível que uma mulher se submeta ao tratamento machista do Pedro e, principalmente, que o personagem tenha sido considerado o galã-mor da trama na época. Pedro, na verdade, por preferir a companhia dos bichos e ser um personagem recluso, acabou se tornando uma besta fera irracional, uma composição de machismos hediondos. Maneco construiu o Pedro como se ele fosse tudo que um homem gostaria de ser: é másculo, viril, tem uma amante independente, tenta seduzir a prima e ainda tem na cola uma ninfeta que se “guardou” para ele. E absolutamente o tempo todo ele é perdoado, justificado e até admirado. A única pessoa que poderia contradizê-lo, que seria a Cíntia (Helena Ranaldi), acaba confirmando-o. Ficou a ideia de que, no fundo, toda mulher tem mesmo é tesão pelo homem que a maltrata, a humilha e lhe agarra a força. Um horror!
Outro deslize calcado no machismo foi em relação a morte de Rita (Juliana Paes), que teve um caso com Danilo (Alexandre Borges), marido de Alma. A empregada morreu durante o parto e deixou os filhos gêmeos para que Alma criasse. Puniu-se a mulher, empregada que se “ofereceu” para o patrão. E perdoa-se o marido infiel, que, mais uma vez, “por ser homem”, teve apenas um “deslize”. Apresentado como inconsequente e imaturo e uma espécie de alívio cômico, tudo voltou a ser como era antes: Danilo terminou a novela outra vez na mansão da esposa, sem evoluir um milímetro de caráter, com os filhos sustentados por Alma e, muito provavelmente, com uma nova empregada, do tipo que aceitará de boa o assédio do patrão. Lamentável!
Em uma determinada cena, Silvia resolveu trocar as fechaduras de casa. O porteiro do prédio estava fazendo a troca, quando entram duas vizinhas pelo elevador. O seguinte diálogo acontece:
– Está trocando as fechaduras? Tentaram entrar? – Perguntam as vizinhas.
– Não, mas nunca se sabe. – Responde Silvia.
– Entraram no apartamento de um dos vizinhos, uma coisa horrível.
– Sim, eu li no jornal.
– Ainda por cima estupraram a empregada.
O porteiro, então, no alto de sua sabedoria, diz:
– Mas aquela ali também, usava umas saias curtíssimas. Estava procurando.
Silvia, então, faz uma cara de quem está com pressa e resmunga um “É”. Pronto, corte. Do lado de cá fiquei eu, esperando um momento onde alguma das TRÊS mulheres presentes falariam algo contra o machismo hediondo incutido na fala do porteiro. O que não aconteceu.
E teve vários outros momentos da trama que exalaram machismo e, em nenhum momento, Maneco sinalizou que era uma crítica a ser discutida. Como quando Ingrid ficava incomodada com o comportamento espevitado de Íris e dizia que a filha tinha puxado o gênio difícil do pai, mas que ele era homem (reticências impediram que ela completasse com “era homem e podia, meninas precisam ser recatadas”). Ou quando Dona Emma dizia para Capitu que ela deveria “casar na igreja, de branco, véu e grinalda, como toda moça direita e decente deve casar”.
Tratamento dado a Zilda
Mais uma vez, valeu a pena ver o quanto evoluímos em dezesseis anos. Em 2000, os elogios concedidos a Zilda (Thalma de Freitas) como "fiel escudeira e amiga da família" me faziam realmente acreditar que ela era bem quista pela patroa Helena e por todos com que com ela se relacionavam de alguma forma. Ledo engano! Zilda era tratada, praticamente, como uma escrava. Do início ao fim, passou 24 horas por dia vivendo unicamente em função da vida da Helena e arredores. Acumulava funções: de cuidar do almoço a babá dos filhos da Capitu e da Clara, das compras no mercadinho a enfermeira de Camila. Em nenhum momento é feito menção a sua jornada exaustiva de trabalho, recebimento de horas extras... Nada disso existia em 2000, então a gente aceitava um elogiozinho como recompensa. A amiga da família nunca foi convidada sequer para dividir a mesa com os patrões. E ainda ouviu certos impropérios por não ter cuidado de coisas que não lhe cabiam, como vigiar as temperamentais Camila e Íris ou não ter verificado que a fralda do Bruninho (filho da Capitu) estava suja. Com a PEC das domésticas, Zilda ficaria rica se processasse Helena, Camila, Clara e Capitu!
Desperdício de talentos
Os primeiros capítulos indicavam planos mais ambiciosos para Ciça (Júlia Feldens), pedra no sapato de Helena e Camila pelo coração de Edu, infelizmente, pouco explorada no decorrer da narrativa. Lília Cabral também tomou chá de sumiço após a morte do marido e a mudança de Íris para o Rio de Janeiro, ficando sem nenhuma função lá na fazenda. E quando ela, finalmente, mudou para o Rio, acabou morrendo baleada durante um assalto (em uma cena emocionante, diga-se de passagem). Inclui-se aqui também a Sílvia (Eliete Cigarini), ex-mulher de Pedro, que jurou acabar com a vida dele após a separação e poderia ter rendido muito mais.
A cantoria de Ofélia
Se eu morasse no mesmo prédio que a Helena, já teria feito um abaixo-assinado para expulsar essa Ofélia do prédio por perturbação da paz. Ela não teve outra função na trama a não ser cantar (BERRAR!) ópera todo santo dia. Maneco poderia ter poupado meus ouvidos...
Barriga na reta final
É de se lamentar que, justo em sua fase mais emocionante, a novela mergulhou no período mais morno de sua narrativa. Praticamente, nada aconteceu após a descoberta da doença de Camila (só Helena mandando às favas a sua tão valorizada sinceridade, rompendo com Miguel para se deitar com Pedro). Muitos destes últimos capítulos deram sono. É óbvio que essa “barriga” não comprometeu a novela como um todo, mas digamos que rolou uma decepçãozinha e muita paciência para ouvir “Love by Grace” de 5 em 5 minutos em todo santo capítulo.