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sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Nice: um anjo nem tão mau assim


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Anjo Mau é uma novela excelente, do texto à direção e do elenco à edição. Assistindo à trama hoje (cuja reprise no Vale A Pena Ver de Novo chegou ao fim nesta sexta, 23), é possível perceber que algumas coisinhas eram bem pesadas para o horário das seis e nós nem nos atentávamos muito para isso. Você notou que ela é uma novela em que vilões ainda fumavam numa boa, em que era comum ter alusões à fetiches sexuais com Stela (Maria Padrilha) e Tadeu (Daniel Dantas) — ainda que de maneira bem humorada —, Olavinho (Gabriel Braga Nunes) e o uso de drogas, a tentativa de assassinato de Teresa (Luisa Brunet) feita pelo próprio marido, a discriminação racial de Teresa pela mãe ser negra e pobre, as falcatruas do corrupto Rui (Mauro Mendonça), a tentativa de estupro de Ricardo (Leonardo Brício) em Vivian (Taís Araújo) — que, inclusive, terminaram juntos —, a violência do verdadeiro pai de Nice, Josias (Átila Iório), que é brutalmente assassinado — fato que leva a filha para a cadeia? Não bastasse isso, como foi forte a sequência em que a vilã Paula ameaça matar Nice e seu bebê no penúltimo capítulo numa espécie de "roleta russa". Uma cena agoniante e super densa. Sei que olhando assim parece bobo, mas se olharmos mais atentamente, podemos ver que isso ficou bem menos comum nas tramas dos últimos 10 anos. A própria anjo mau (que dá título à novela) é prova disso.

Ambiciosa, manipuladora, persuasiva e calculista, a protagonista do remake de Anjo Mau (escrito por Maria Adelaide Amaral, em 1997) tinha tudo para terminar como a personagem da primeira versão de 1976 (de Cassiano Gabus Mendes), mas escapou do destino trágico, apesar de percorrer o mesmo tortuoso caminho da precursora. Talvez por causa dos vinte anos que separavam os valores sociais das duas exibições ou talvez pelas formas diversas com que as histórias foram conduzidas, o fato é que a babá Nice (desempenhada brilhantemente por Glória Pires) já não merecia o título que a definia. Em primeiro lugar, porque claramente ela não era mentora das situações comprometedoras, ainda que se aproveitasse de todas em benefício próprio. E, em segundo, porque o tão sonhado conforto material não estava relacionado com a conquista de Rodrigo (Kadu Moliterno), embora houvesse um abismo social entre eles.

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É interessante analisar que o esforço da trama em caracterizar Nice como anti-heroína morre na praia das evidências: a astúcia da personagem principal e suas artimanhas são permeadas de fatores condicionais que (acidentalmente) confluíam para seu objetivo. Afinal de contas, não haveria casamento entre patrão e empregada se Paula (Alessandra Negrini) não traísse o noivo Rodrigo com o próprio irmão, se Ricardo (Leonardo Brício) não admitisse seu caso com a cunhada, se Lígia (Lavínia Vlasak) despertasse algum sentimento verdadeiro no empresário e mais um mar de circunstâncias que independem de rezas, desejos e maledicências.

E ainda que nada disso fosse levado em consideração, ainda que fosse decretada a falha de caráter da babá, ainda que fosse de consenso geral do público que a Cinderela só calçasse o sapatinho de cristal depois de ser humilhada por todas as pessoas do baile, há algo a se ressaltar: Nice não é a algoz, mas vítima. E pior: vítima do homem que ama. Pois, se simplesmente quisesse ascender socialmente, não se abalaria com a indiferença do marido, apenas tiraria proveito do nome e do contracheque e buscaria consolo em outro braço (ou outros braços). Entretanto, ela sofreu com o desprezo de Rodrigo, que é o principal responsável pelas hostilidades alheias quando deveria ser o escudo de proteção do matrimônio. Mimado, arrogante e egocêntrico, o príncipe é o verdadeiro carrasco da esposa ao se aproveitar da sua resignação apaixonada para descarregar antigos ressentimentos amorosos e profissionais.

Nice quis colocar a cabeça acima da manada e virou o bode expiatório de ricos entediados que não sabiam conduzir a própria existência e serem o que realmente são. Algumas falas acusatórias chegam a ser cômicas de tão absurdas; e tamanha é a incoerência generalizada que dá para se contar nos dedos os personagens com maturidade emocional esperada de um adulto.

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O curioso na dramaturgia de Anjo Mau é a insistência em demonizar e punir alguém que já nasceu condenado. Filha de marginal, abandonada pela mãe em um orfanato e mais tarde adotada pela mesma pessoa que a deixou, Nice cresceu com a negligência maternal e a omissão da própria origem. Como esperar reconhecimento de raízes de uma pessoa sem conhecimento da própria identidade? Mas foi o que a novela propôs e o espectador exigiu. E se as aspirações da babá eram vistas como pecados, foi alto o preço de sua redenção. E de forma inesperada, a sensação causada no público influenciado pela forçosa imagem de Nice como uma hipócrita golpista se aproximava mais da comiseração do que satisfação diante do castigo merecido.

É comum na ficção censurar o personagem que age por razão e enaltecer o que age por emoção e a protagonista representa a mistura dessas duas personalidades, pois é movida pelo coração que ela condiciona a cabeça a pensar com praticidade. Visto isso, talvez seja mais interessante considerar as dificuldades de Nice não como uma punição pela sua vontade de deixar para trás o subúrbio, mas sim, como uma prova de fogo para adentrar ao mundo que ela tanto queria pertencer. Foi diante da rejeição do amor de alguém que começou sua busca pelo amor próprio e, mais do que um prêmio conquistado pelo arrependimento, a sobrevivência da babá na versão de Maria Adelaide Amaral deve ser compreendida como uma segunda chance para o casal: oportunidade da moça de se impor como pessoa naquele ciclo social que ela tanto almejou pertencer e oportunidade de Rodrigo ser feliz ao lado de quem o adorava incondicionalmente.

Pode ter sido uma proposta genial a discordância entre a sinopse original (que desfavorecia a imagem de Nice) e a verdadeira personalidade da empregada. Pode ter sido apenas uma construção maniqueísta inconvincente. O fato é que o comportamento da protagonista não tem nada de monstruoso e anormal, muito pelo contrário. Seus defeitos a humanizaram sem torná-la vilã na própria história. Há quem diga que foram os censores oficiais do regime militar que obrigaram a matar a protagonista porque ela tinha sido má e dava mal exemplo. Matando-a, eles transformaram o final da Anjo Mau de Suzana Vieira num dos grandes mitos da televisão brasileira. Mas afinal, o que essa coitada fez para merecer ser chamada de anjo mau?

2 comentários:

  1. Nossa amei.... Que definição.... Eu adorava essa novela ate hj uso a trama e a protagonista como exemplo em algumas citações onde falo sobre situações da vida e dos sonhos que temos.... E eu sempre enxerguei esta personagem desta forma como foi descrita nesse site.... Parabéns

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  2. A novela é ótima. Só acho que tem muito preconceito em relação a pobres e negros. As ofensas dadas a essa classe é pesada.
    Nice é ótima, mas infelizmente quando se casa com Rodrigo a personagem perde a essência. Fica perdida e submissa. Chega a ser irritante de ver Estela sempre a humilhando e Nice não se defendendo. E a obsessão de Paula em destruir esse casamento também fica msssante. A novela perde muito a qualidade depois da fase que Nice se casa com Rodrigo.

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