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sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

CRÍTICA | 'O Outro Lado do Paraíso' confunde licença poética com subestimação da inteligência do público


Que O Outro Lado do Paraíso é um enorme sucesso de audiência e repercussão, isso é indiscutível. O mesmo, porém, não se pode afirmar quanto à sua qualidade. Tão carregada de clichês mal utilizados que chegam a transbordar pela TV e se esparramar no chão da nossa sala, dona de um texto de uma pobreza abaixo da linha da miséria e onde a realidade, a lógica e o bom senso são personagens que quase não aparecem na trama, fica a pergunta: por que causa, motivo, razão ou circunstância faz tanto sucesso?!


As bases criativas de O Outro Lado do Paraíso não surpreendem ninguém. Assim como fez com Amor à Vida, o autor Walcyr Carrasco "inspirou-se" em filmes, livros, novelas e séries de TV de uma forma quase literal e agora continua seu caminho de reinterpretações de velhos recursos dramáticos que já conhecemos muito bem. Não é difícil encontrar inúmeras """referências""" (e bota-lhe aspas nisso) de outras histórias nela. De uma coisa não podemos reclamar: a trama está sempre em movimento e cheia de grandes viradas. Porém, as motivações para que a novela ande são o ponto mais delicado.

Nos últimos capítulos, por exemplo, a vilã Sophia (Marieta Severo) seguiu sua trajetória como serial killer e tratou de despachar mais uma personagem para o além a tesouradas. A prostituta Vanessa (Fernanda Nizzato) foi vítima da megera porque era testemunha do ataque da vilã à sua vítima anterior, Laerte (Raphael Vianna). Enquanto isso, Elizabeth (Gloria Pires) finalmente voltou a usar sua identidade original após ser surpreendida pela antiga família em pleno julgamento no qual era acusada de matar Laerte e defendida por Adriana (Julia Dalavia), sua filha (sem que nenhuma das duas soubesse do parentesco, inicialmente). A ex-Duda teve problemas de saúde por conta da emoção de rever a filha, o ex-marido e a amiga, sendo que esta última era cúmplice do sogro Natanael (Juca de Oliveira), que foi quem obrigou a moça a se fingir de morta. Agora, Natanael tenta dar cabo da vida de Elizabeth com as próprias mãos. São momentos de fortes emoções, mas que trazem uma grande incoerência.

Afinal, se Sophia e Natanael são tão ruins que são capazes de matar, por que é que não fizeram isso antes? Se Sophia tivesse matado Clara (Bianca Bin) logo de cara, não estaria agora enfrentando a fúria vingativa da mocinha. Interná-la num hospício era o mesmo que deixar uma bomba-relógio pronta para explodir. E se Natanael tivesse mandado matar a nora, ao invés de obrigá-la a se fingir de morta, não estaria, agora, presenciando o retorno dela. Claro, se a coisa tivesse acontecido de outra forma, não haveria novela. Mas, sem dúvidas, falta coerência na trajetória de ambos. O autor deveria ter, ao menos, criado um motivo mais forte que justificasse o fato de os vilões terem preferido pôr em prática seus planos mirabolantes contra as protagonistas da novela, ao invés de simplesmente matá-las. Mas isso não aconteceu. Agora, ficam as pontas soltas. Uma filha não lembrar de sua mãe, como é o caso de Elizabeth e Adriana, também é inconcebível. Pense: Adriana tinha uns 10, 11 anos quando sua mãe "morreu". Idade suficiente para ter uma ótima lembrança, não é mesmo? Fora isso, havia fotos, vídeos e coisas do tipo. É impossível esquecer. Isso foi um furo grande demais explicado de maneira tosca.


Por mais que seja uma novela, é difícil "voar" e digerir situações como essa (entre tantas outras da trama, que se listasse aqui ficaria horas escrevendo) sem causar um certo humor involuntário. A preguiça de planejar uma trama que seja coerente com a linguagem visual contemporânea muito bem imprimida pela direção de Mauro Mendonça Filho jogou a novela numa contradição artística bizarra. É como se o texto não tivesse nenhum compromisso com a coesão do que quer dizer e o resultado dessa falta de intelecto é uma série de diálogos didáticos e grosseiros que até querem se fazer de importantes e diretos, mas que só são toscos e pobres. As decisões são tomadas por vontade e não por ação de circunstâncias implantadas com a inevitabilidade necessária para que um "destino" nos pareça real e emotivo.

Os problemas avançam para os outros núcleos que sofrem da mesma falta de sutilezas. Alguns diálogos são construídos de modo tão pouco naturalista que soam escritos por alguém que começou a escrever dramaturgia ontem. O caso da anã vivida por Juliana Caldas é o mais perturbador nesse sentido. É claro que evidenciar o sofrimento e o desajuste de uma pessoa de baixa estatura rejeitada pela mãe é importante, mas tudo fica superficial e barato quando essas conversas entre Estela e Sophia parecem conversas travadas entre Cinderela e a Madrasta Má. Ao invés de escolher mostrar uma mulher pequena com alma grande, decidida, forte e ativa na vida, Carrasco escolheu apresentar uma mulher pequena com alma menor ainda, viciada em vitimização e discorrida na história como se fosse revolucionária, disputada por dois lindos homens. Virou uma chatonilda! Essa vilania chapada, aliás, é um problema sério da novela. A socialite vivida por Fernanda Rodrigues durante o período de empregada doméstica de Clara parecia uma vilã mexicana daquelas que usam até tapa-olho. E o que dizer dos impropérios de Nádia (Eliane Giardini)? Se o objetivo era discutir o racismo e causar uma conscientização através dela e Raquel (Erika Januzza), falhou miseravelmente. Soa mais como algo gratuito, feito puramente para chocar quem assiste.


E o que dizer do núcleo de Samuel (Eriberto Leão)? Inicialmente, a vida dupla do psiquiatra era contada em tom dramático, pois ele sofria com a falta de coragem de viver sua real natureza e transformava suas frustrações em comportamentos homofóbicos. Agora assumido e posto à força para fora do armário na vingança esquemática e previsível de Clara, o tom de seu núcleo mudou e agora virou uma espécie de Zorra Total. Walcyr jogou por terra duas temáticas muito interessantes: homossexuais que se escondem em relacionamento de fachada e que usam de atitudes homofóbicas para esconder sua real condição e a de mulheres que se descobrem casadas com um gay. Isso não tem graça. É um drama, assunto sério. Carrasco, no entanto, preferiu seguir o caminho mais fácil e tratou de pisar fundo na caricatura. A cena em que Suzy (Ellen Roche) descobre a verdade, por exemplo, já foi de um pastiche constrangedor, da "forçação de barra" vista no flagra, passando pelo diálogo infantiloide que beirava o ridículo. Até um "cala a boca já morreu" foi disparado por Suzy, para se ter uma ideia do nível de maturidade do texto. E a tendência é que a trama descambe ladeira abaixo. Samuel e Cido (Rafael Zulu) foram morar juntos, na companhia de Adnéia (Ana Lúcia Torre). E Suzy, ao se descobrir grávida, também voltará a viver com Samuel, levando também a antiga noiva de Cido. Os quatro vivendo sob o mesmo tempo transformarão o núcleo numa espécie de "novela paralela", onde o humor raso característico de Carrasco será usado à exaustão. Deus me defenderay!

Para e pense: quantas vezes você já ouviu... Nádia dizendo "aquela preta" e "não sou racista"? Estela reclamando "Você fala isso só porque eu sou anã"? Aquela prostituta lá do bordel que eu nem sei o nome falando que é "moça pura e virgem"? Clara jurando que vai se vingar do psiquiatra, do juiz e do delegado e que "Patrick é um dos melhores advogados criminalistas do país"? Sophia dizendo "não posso perder as esmeraldas"? Suzy chamando Samuel de "tigrão" (agora, "tigresa") e Cido zoando Adneia de "mãe de bicha"? Ou "Marcel que caiu do céu" e "Pronto, falei!" naquele núcleo afetadísssimo do salão? É irritante essa mania do autor de colocar frases de efeito ou bordões repetidos à exaustão na boca de seus personagens. Tem que ser tudo desenhadinho, repetido dezenas de vezes, do mesmo jeitinho infantilóide, para que a "mensagem" seja captada e entendida como se deve; como se o telespectador fosse idiota.


Bianca Bin se esforça, mas, coitada, Clara parece um androide e a vingança da protagonista nem de longe tem a mesma elegância que uma Emilly Thorne da vida (ou até mesmo de uma Nina). Grazi Massafera, cuja Lívia foi anunciada como vilã, simplesmente não aconteceu. Marieta Severo tenta torcer o texto até ele deixar escorrer algo que se aproveite, mas é difícil. Rafael Cardoso luta para dar alguma dubiedade interessante ao seu Renato, mas o texto rasteiro e previsível não permite. Glória Pires parece visivelmente frustrada com uma personagem que não faz sentido. E ver Fernanda Montenegro servindo de oráculo-cego ("As vozes me disseram") é lamentável. Lima Duarte ainda consegue defender seu Josafá com uma sensibilidade notável. E é preciso admitir que o trabalho de Sérgio Guizé como Gael é surpreendentemente bom, considerando o texto tão rasteiro. Alguns sites começaram a divulgar que ele deve passar a ser mocinho e sua fase de sofrimento na cadeia foi um indicativo disso. Se a notícia de que ele deve passar por uma espécie de "exorcismo" for confirmada, o estrago promovido por O Outro Lado do Paraíso já será definitivamente leviano. O agressor de mulheres só bate porque bebe e desperta um "encosto", a culpa não é dele… Um precedente terrível em um país com números alarmantes de violência contra a mulher.

Acredito que a altíssima audiência da novela se dá porque o autor escolheu como par romântico a catarse e o maniqueísmo, sem o benefício da dúvida, o que fisga telespectadores menos exigentes que só querem se distrair em frente a TV. Muito comum em histórias infantis em função da necessidade de se estabelecer conceitos com inequívoca clareza. Já para seres humanos com idade mental superior a 14 anos... De uma falta absoluta de sutileza e uma visão infantilizada da vida, Carrasco promove mil e uma reviravoltas em sua história, mas mandando a lógica e o discernimento às favas. Confunde polêmica com sensacionalismo; confunde verdade nua e crua com grosseria; confunde licença poética com escárnio e subestimação.

7 comentários:

  1. Nossa seu texto foi maravilhoso, você disse tudo e mais um pouco. Só não concordei na parte do Sérgio Guizé, detesto ele como ator. No mais eu fico chocada em como as pessoas insistem em dizer que essa novela é boa só porque tem audiência lá em cima, ridículo. Nem Amor à Vida parecia tão ruim perto de OOLDP, o que aconteceu? Não assisti Verdades Secretas, elogiaram muito, realmente foi aquilo tudo? Então não era Walcyr, eram os colaboradores. O texto dessa novela nem criança aguenta, escritores de fanfics pisam nele, como alguém desce ladeira abaixo desse jeito? Bianca Bin não convence no papel de sexy fatal, seria melhor ter escalado Mariana Ximenes de novo. O único oersonagem que ainda invoca minha torcida é o carneirinho.

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  2. Gostaria de saber se você não atualiza este site oelp amor de Deus coloca outras atualizações está chato sempre a mesma coisa ,faca algo urgente.

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  3. Volte logo com esse blog, estou morrendo de saudades

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