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sábado, 12 de março de 2016

A Regra do Jogo: uma "novelérie" que não deu certo



Uma novela em forma de série. Ou uma série em forma de novela. A Regra do Jogo foi um produto híbrido, misturando duas formas de narrativa televisiva completamente diferentes. Uma dominante entre nós, no Brasil, e a outra dominante nos Estados Unidos e boa parte do mundo. Uma série é muito mais focada em termos de personagens e tramas. Todas as histórias se tocam, mas não há necessariamente lógica ou entrosamento entre os núcleos, como nos folhetins. O número de personagens é muito menor. Todo episódio tem uma sequência, que deve ser seguida, onde cada episódio interliga o anterior. É necessário assistir todos ou, pelo menos, a maior parte dos episódios, na sequência correta para poder entendê-la, tendo sua conclusão apenas no ultimo episódio.

Essencialmente masculina, com personagens centrais homens (Gibson, Romero, Zé Maria, Dante e Juliano) e uma trama principal de narrativa seriada que priorizava a ação e o drama em detrimento ao melodrama folhetinesco e romântico, A Regra do Jogo deixou de lado o tom folhetinesco, próprio do gênero. Prova disso são os seus capítulos, que emulavam os episódios de séries americanas com títulos diferentes a cada dia. Entretanto, para atender a demanda novelística, João Emanuel Carneiro teve a necessidade de criar tramas paralelas com alívios cômicos e românticos, ausentes na história central. Servindo para atender o público que está acostumado a consumir novela neste horário, não série, e para encher linguiça, já que cada capítulo tem mais de uma hora de duração e a novela precisa ficar, ao menos, seis meses no ar. A trama central sozinha não renderia uma novela longa.



E foi justamente nesta mistura, sendo duas em uma, que A Regra do Jogo se perdeu. De um lado, a série: os núcleos que cercam os personagens Romero, Tóia e Juliano, mais a família de Gibson e a facção criminosa. Do outro, a novela: a família de Feliciano e os personagens coadjuvantes do Morro da Macaca. Eu fico com a série. Ou seja, enxugaria todas as tramas secundárias e focaria apenas na história da facção, que, por mais inverosímel que fosse, por mais furos que teve, é uma trama envolvente, bem delineada, que prende a atenção com ótimos personagens e um elenco de primeira.

É verdade que as tramas paralelas sempre foram o "calcanhar de aquiles" do JEC até mesmo nas suas produções de maior sucesso (veja aqui). Mas o autor pesou a mão dessa vez. A Favorita era uma novela toda "cinza", sem alívio cômico. Avenida Brasil, por sua vez, era uma novela "colorida". Mesmo com todo o clima de tensão na trama central, o humor estava presente em todo canto. Já A Regra do Jogo tem um núcleo central todo "cinza", mas "colorida" nos núcleos paralelos, que são completamente alheios à história central. Se ainda fossem divertidos, mas não. E isso quebra o ritmo de série de A Regra do Jogo, prejudicando o seu clímax e jogando um balde de água fria no telespectador.


Basicamente, os capítulos do folhetim tem apenas o primeiro e o último bloco dedicados à trama principal, ao passo que a parte do meio fica restrito às paralelas e núcleos cômicos. Dessa maneira, as histórias secundárias ficam ainda mais avulsas dentro da novela e ocupam quase a integralidade do capítulo, tornando-o enfadonho e massante. É quase um abismo quando pula da facção para o Morro da Macaca. Por isso que é bom acompanhar A Regra do Jogo pelo Globo Play ou pelo site da novela após a exibição do capítulo na televisão, com a possibilidade de pular o que não interessa.

Fosse um seriado, seria possível dizer que assistimos a quatro temporadas de A Regra do Jogo. A primeira (a melhor e mais empolgante) durou os 43 capítulos iniciais. Tal como numa série, era necessário acompanhá-la diariamente para não perder o fio da meada. JEC foi entregando sua história aos poucos. Complexa, exigia paciência e atenção. Mas fazia a gente ficar intrigado, curioso e sedento por novas revelações a respeito dos mistérios da trama e do caráter e do passado dos personagens. Entretanto, ao contrário do que se esperava, isso afugentou o público. A novela já começou de pé esquerdo ao herdar a péssima audiência de sua antecessora, Babilônia, e demorou a engatar no Ibope. Ainda mais pela concorrência de Os Dez Mandamentos, que chegou a derrotá-la na audiência por várias vezes. Precisou Moisés abrir o Mar Vermelho e sair de cena para grande parte do público lembrar que A Regra do Jogo existia e a audiência da Globo, finalmente, voltar aos eixos.


A segunda temporada (a mais chata) se arrastou por cerca de 60 capítulos e deu-se início após a morte de Djanira. Ao contrário do esperado, tal acontecimento acabou atrasando ainda mais o andamento do núcleo principal. Como prejuízo, a mocinha Tóia tornou-se frágil e manipulável, Romero teve seu caminho aberto e muitos mistérios envolvendo a origem dos personagens ficaram sem explicação. Afinal, quem era o pai do Romero? Quem é a mãe de Juliano? Por que Adisabeba odiava tanto o Romero? Até o assassinato misterioso de Djanira caiu no desinteresse. A história começou a dar voltas, a patinar, a enrolar o público. Por diversas vezes, quase todos os personagens se viram às voltas com situações parecidas em um ciclo vicioso. Quando o público achava que aconteceria alguma coisa nova, voltava a estaca zero. A Regra do Jogo necessitava urgentemente de uma grande virada.

E essa grande virada só aconteceu na terceira temporada, por volta do centésimo capítulo. A chegada de Kiki e a revelação de que Gibson era o Pai da facção criminosa da história trouxeram luz ao jogo maniqueísta e repleto de camadas proposto pelo autor. Foi a partir desse momento, que a novela finalmente caiu nas graças do público e viu sua audiência crescer gradativamente. O problema é que a coerência é o mínimo que se espera de uma trama policial. E A Regra do Jogo começou a subestimar a inteligência do público com pontos mal explicados. Crimes esquecidos, situações forçadas e mal explicadas, uma polícia totalmente ineficiente que nunca enxergava nada a sua frente, uma facção frouxa demais, com bandidos bem pangarés, enfim... Tendo à disposição tantas séries policiais de qualidade na TV, foi difícil para o telespectador engolir uma trama tão mal costurada.


A quarta, e última, foi a mais curta e mais maluca de todas. Curiosamente, a de maior sucesso. Nas últimas três semanas, apesar do ritmo intenso, A Regra do Jogo virou um novelão mexicano, repleto de golpes baixos do autor, se permitindo cair no clichê da mocinha que é sequestrada pelo vilão que possui uma paixão obsessiva por ela ou do vilão que consegue fugir de um comboio policial de uma forma simples e típica de novelas e até um batido e desnecessário "quem matou?". Virou uma montanha russa de emoções que atropelou demais o caráter de cada personagem. Três, em especial: Romero, Zé Maria e Gibson. Romero era louco por Tóia porque ela despertava o seu lado bom. Mas que lado bom, se virou sequestrador da própria e deixou que ela fosse para a cadeia pelo seu falso assassinato que ele próprio armou? Do nada, Romero passou a amar incondicionalmente a Atena. Mas se amava tanto a golpista, porque passou a trama inteira correndo atrás da Tóia? Zé Maria era bonzinho, virou vilão, voltou a ser bonzinho e, no final, virou vilão de novo. Gibson, um psicopata frio, calculista e meticuloso, surtou do nada e passou a agir como um bandidinho pé de chinelo.

Espero uma quinta temporada onde descobriremos que fim levou a facção e a esclerose múltipla de Romero, entre muitos outros pontos soltos que foram esquecidos ou deixados de lado.


Com um elenco estelar, as peças desse grande tabuleiro de jogo de xadrez foram o ponto alto da produção. Destaque absoluto para Alexandre Nero (Romero), Tony Ramos (Zé Maria), Cassia Kis (Djanira), Deborah Evelyn (Kiki), Tonico Pereira (Ascânio) e José de Abreu (Gibson), que, sem dúvida nenhuma, dominaram a novela com atuações marcantes e memoráveis. Marco Pigossi (Dante, o policial mais burro da história das telenovelas) e Vanessa Giácomo (Tóia, a Chatóia que virou Idiotóia) também deram um show, mas foram prejudicados pela ingenuidade excessiva dos seus personagens. Renata Sorrah (Nora), Cauã Reymond (Juliano) e Barbara Paz (Nelita) também merecem menção.

Suzana Vieira e Giovanna Antonelli defenderam bem seus personagens, mas Adisabeba e Atena decepcionaram. Adisabeba foi anunciada como a Rainha do Morro da Macaca, mas viveu situações patéticas que não combinam com uma dona do morro e dignas de uma coadjuvante qualquer não de uma senhora que não tem paciência pra quem tá começando. E Atena, apesar de ter sido muito carismática e a queridinha nas redes sociais, não chegou nem a 1% de ser uma nova Carminha. De promessa de grande vilã, virou uma boboca apaixonada pelo Romero. A sua sorte (e a nossa também) é que Antonelli e Nero, mais uma vez, mostraram uma química fora do normal e roubaram a cena com o casal Romena, assim como Atena e Ascânio formaram uma dupla tragicômica genial.

O problema é quando se tem muita estrela e elas não brilham como deveriam. Volta e meia, certos personagens sumiam, enquanto outros núcleos eram explorados a exaustão até a última gota, assim como o número de papéis que não fariam falta nenhuma se não existissem e de grandes atores desperdiçados. O que foi a grande maioria. Quem não era do núcleo central, ficou "apagado".



A Regra do Jogo encerra sua trajetória em alta, elevando a audiência em três pontos em sua média geral (28 contra 25 da antecessora, embora esta média seja a segunda pior da história da faixa). A história prometeu uma instigante e forte trama central, norteada pela dubiedade e pelos dilemas morais do bem e do mal. Porém, embora tenha ganhado força com a revelação de peças-chave em sua segunda metade, foi prejudicada por situações forçadas e mal-explicadas, furos e pelo excesso de núcleos paralelos desinteressantes, além de desperdiçar talentosos atores em personagens que prometiam, mas ficaram só na promessa e histórias que pouco ou nada acrescentavam.


João Emanuel Carneiro é um dos mais talentosos novelistas do Brasil, porém, a atual trama pode ser considerada o seu primeiro deslize. No saldo geral, não é tão desastrosa como suas cinco antecessoras. Sim, eu considero sim A Regra do Jogo a melhor novela (ou a menos pior, depende do ponto de vista) desde Avenida Brasil. Não possui os erros crassos de roteiro e direção de Salve Jorge, não possuiu o texto pobre de Amor A Vida, é infinitamente superior à Em Família e Babilônia e possui uma trama central mais forte e envolvente que a de Império. Porém, fica a sensação de que poderia ter sido bem mais do que foi. Que o autor tenha melhor sorte na próxima trama. Vitória na guerra, JEC!


MINHA NOTA: 7. E VOCÊ? QUE NOTA DÁ PARA A REGRA DO JOGO?


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