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sábado, 1 de abril de 2017

Autores precisam ter a liberdade de bancarem suas ideias para evitar novos "Frankensteins" como A Lei do Amor


"Lá vai o trem sem destino...". Esse trecho da música de abertura de A Lei do Amor ("O trenzinho do caipira") resume perfeitamente toda a sua trajetória: uma novela desgovernada e sem rumo!

Maria Adelaide Amaral é uma das autoras que mais gosto e uma das mais bem-sucedidas da TV. É dela os ótimos remakes de Anjo Mau e Ti ti ti e as excelentes minisséries Os Maias, A Muralha, JK e A Casa das Sete Mulheres. Sua última novela antes de A Lei do Amor, Sangue Bom, escrita também com Vincent Villari, foi mais uma produção vitoriosa. Portanto, é de se espantar o que aconteceu com a atual novela das nove. A autora nunca havia passado pela experiência dolorosa de ver sua obra desagradar e ser tão criticada pelo telespectador. Não dá para dizer que Adelaide e Vincent se perderam, porque, novelistas do quilate que são, eles não perderiam o rumo da história que queriam contar. A impressão que se tem é que os dois, na verdade, não contaram o que tinham planejado e, sim, que foram modificando a trama original ao sabor das circunstâncias. Só isso explica a sucessão de erros em que se transformou A Lei do Amor.


Os problemas já começaram na primeira fase, toda centrada no casal principal, Pedro (Chay Suede/Reynaldo Gianecchini) e Helô (Isabelle Drummond/Claudia Abreu), e na armação de Magnólia (Vera Holtz) para separá-los. Quando saltou 20 anos no tempo, toda a armação que ganhou destaque na primeira fase logo foi desnudada. Assim, quem comprou todo o romantismo e as intrigas da primeira semana da novela acabou ficando a ver navios, pois nada daquilo se mostrou verdadeiramente importante para a continuidade da narrativa. A história do casal apaixonado que foi separado na juventude por uma intriga da vilã e se reencontra anos depois ganhou cores de trama policial, passando a girar em torno dos mistérios do atentado de Fausto (Tarcísio Meira) e Suzana (Gabriela Duarte/Regina Duarte).

Soma-se a mudança brusca de rumo do enredo: o elenco numeroso — repleto de atores jovens e desconhecidos (que faziam da trama uma espécie de Malhação em horário nobre) e figuras tarimbadas em papéis aquém (como Cláudia Raia, Maria Flor, Ana Flor e Tato Gabus Mendes) — com núcleos desconexos; os erros absurdos de escalação do elenco entre as duas fases (como Mag e Fausto serem Vera Holtz e Tarcísio Meira desde o começo, mas Tião ser Thiago Martins e depois virar José Mayer, para mais adiante surgir uma Mag jovem em cenas de flashback); e, claro, a chatice extrema de Letícia (Isabella Santoni). A audiência não reagiu e, a partir daí, foram feitos os chamados "grupos de discussão" com o público. Infelizmente, o que já havia acontecido em Babilonia se repetiu: estes grupos, que deveriam orientar a condução da história, acabaram iniciando um desgaste que afetou a história irreversivelmente.

Com a intromissão de Silvio de Abreu no roteiro da novela, várias revelações e entrechos foram antecipados, personagens promissores foram eliminados, outros tiveram suas personalidades alteradas sem motivo aparente e conflitos foram inseridos sem nada acrescentar. A entrada do autor Ricardo Linhares piorou ainda mais a situação, uma vez que o autor vinha de Babilônia, maior fracasso do horário das nove, e, com isto, não tinha sentido que justamente ele "ajudasse" a melhorar outra novela.

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Se antes eram prejudicados pela falta de conflitos, Pedro e Helô foram destruídos por situações que não condiziam com o perfil dos personagens. O retorno de Laura (Heloísa Jorge), uma ex-namorada de Pedro, em nada acrescentou, tornou Helô (antes, uma pessoa de mente aberta) uma ciumenta possessiva e repetiu uma situação do começo: o mocinho tinha outra filha da qual não sabia da existência. Em função dos ciúmes, Pedro passou a conviver com Laura e chegou ao ponto de transar com ela, virando um sujeito machista, totalmente diferente da pessoa íntegra de outrora. A lei do amor ou do machismo e da traição?

O machismo também esteve presente no malfeito triângulo entre Tiago (Humberto Carrão), Letícia e Isabela/Marina (Alice Wegmann). Letícia era uma garota voluntariosa e irritante. Tiago, seu então noivo, passou a se envolver com Isabela, sem desfazer o seu compromisso com a mulher. Enquanto Pedro foi "vítima" do ciúme excessivo da Helo, Tiago foi colocado pelo roteiro como "vítima" da personalidade mimada da noiva. Após um acidente, Isabela desaparece e volta como Marina para se vingar do rapaz — pois pensava que ele havia tentado matá-la — e apresenta um temperamento totalmente diferente: mais sensual e misterioso. Ela começa um jogo de sedução que novamente faz Tiago trair Letícia, sendo outra vez posto como vítima da ardilosa Marina e da passividade da agora esposa, que se tornou menos insuportável. Aliás, foi justamente para "salvar" Letícia que se prolongou o sumiço de Isabela no mar. Um tiro que acabou saindo pela culatra. O que era para ser solucionado em breve tomou proporções imensas, sendo arrastado até o último capítulo e deixando o público totalmente desinteressado com esse "mistério".


O núcleo político de A Lei do Amor, que foi usado como justificativa para o seu adiamento e a entrada de Velho Chico no horário, não rendeu o que deveria. A campanha pela sucessão municipal de São Dimas se transformou em uma piada, contradizendo a alegação do Silvio de Abreu de que o mote político poderia ser prejudicado com as eleições daquele ano. Até mesmo Luciane (Grazi Massafera), uma das melhores personagens da história, perdeu função na mesma, devido à repentina saída de Venturini (Otávio Augusto), com quem formava uma ótima dobradinha. Yara (Emanuelle Araújo) e Misael (Tuca Andrada) também sofreu com a falta de um enredo mais consistente, prejudicado pela saída da problemática Aline (Arianne Botelho), que retornou à novela como prostituta de luxo; além de ter soado forçado o envolvimento de Misael com Flávia (Maria Flor) e, posteriormente, com Ruty Raquel (Titina Medeiros); que, por sua vez, formava um casal divertidíssimo com Antonio (Pierre Baitelli), que foi desfeito sem mais, nem menos.

Outra trama paralela que sofreu com a má condução foi a de Salete (Cláudia Raia), dona de um posto de gasolina, que se envolveria com os frentistas de seu estabelecimento. Estes foram retirados da trama e ela passou a se envolver com Gustavo (Daniel Rocha), bandido que participou do atentado que matou Suzana e deixou Fausto em coma. O romance não funcionou e os autores reeditaram um drama de Verdades Secretas, colocando o rapaz para sofrer com o uso de drogas. Não convenceu. Assim como também a transformação de Ciro (Tiago Lacerda) de vilão cruel a bom samaritano, a do bobão Hércules (Danilo Grangheia) em mestre do crime na reta final e tantas outras que daria para eu ficar horas comentando.

Ainda merece destaque (negativo, é claro!) a trama em que Tião se vinga de Magnólia, que acabou se tornando um dos eixos centrais do que sobrou da sinopse. As cenas de humilhação foram todas previsíveis. Um embate arrastado que careceu de tensão verdadeira. A atriz Vera Holtz, coitada, não teve muito o que fazer com a apatia do roteiro, mas interpretou Magnólia com inspiração e dominou a novela.

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Muito se fala sobre a prática de pautar as decisões sobre as novelas de acordo com os famosos grupos de discussão. Mas desde quando o público que vê novela sabe o que quer? E o que é melhor? Se a novela inova demais, o telespectador reclama. Se ela é "mais do mesmo", reclamam. Se é violenta demais, reclamam. Se é muito bobinha, reclamam também. Velho Chico não foi nem de longe a minha novela preferida, mas o autor Benedito Ruy Barbosa (e, nesse caso, o diretor Luiz Fernando Carvalho, que não aceitava intromissões) fez um trabalho original e coerente. A Regra do Jogo seguiu o mesmo caminho porque João Emanuel Carneiro não muda uma vírgula do que quer contar. É por isso que insisto em dizer que os autores precisam de liberdade para trabalhar e que errem seus próprios erros. Fica mais bonito e mais digno do que transformar uma novela num verdadeiro Frankenstein como, infelizmente, se tornou A Lei do Amor.

Confira o Desgraçômetro atualizado das últimas novelas das 9:



Um comentário:

  1. O final refletiu o que foi a trama inteira (ate mesmo sob a conduçao de Maria Adelaide): incoerência pura. Na verdade, vejo que na primeira fase, antes da intromissão do Silvio, a noveka ja precisava de um reboot. Deslocar Linhares (pq nao Carrasco?) para a linha de frente, foi um erro estúpido! Essa Isabella/Marina que so rendeu vergonha alheia so pode ter saido do mesmo autor de Saramandaia. Por zua vez, a noveka realmente virou uma colcha de retalhos mal feitissima ao quadrado. A doença de ALDA era muito mais crônica que pensávamos. Foi uma Babilonia II sem a presença dos evangélicos fazendo profecias imbecis. Acho que hj temos dois problemas nas novelas globais: autores nao inspirados e diretores nada compromissados com a qualidade. Que venha A Força do Querer!

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