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terça-feira, 29 de dezembro de 2015

'A Regra do Jogo': uma novela 100sacional ou 100sal?


O capítulo 100 é importante para muitas novelas não só por questões numerológicas, mas porque muitos autores sempre guardam surpresas e grandes reviravoltas para esses capítulos. A Regra do Jogo alcançou essa marca semana passada, mas a comemoração passou em branco aqui no Eu Critico Tu Criticas porque, para o azar de João Emanuel Carneiro, o capítulo foi cair bem na véspera de Natal. E eu que não ia largar minha rabanada para falar de novela, né? Passado a minha ressaca, acho que chegou a hora de analisarmos a trajetória de A Regra do Jogo até o momento. Emplacou? Deu errado?

Com mais três meses pela frente e livre da dura concorrência de Os Dez Mandamentos, A Regra do Jogo vem trilhando uma recuperação sensível e gradual para o horário nobre global em termos de audiência (alcançando médias acima dos 30 pontos). Entretanto, é uma novela muito inconstante (ora, muito boa, ora, muito ruim) e que divide opiniões. Para alguns, a atual trama do JEC foi uma grande decepção e é considerada como o primeiro deslize da carreira do escritor, tido como o Grande Monstro Sagrado da teledramaturgia brasileira atualmente. Para outros, A Regra é sim um novelão e guardou sua melhor parte para a metade final, prometendo fortes emoções, surpreendentes viradas e um final em grande estilo, recuperando a audiência e a fidelidade do telespectador. De qualquer forma, ainda que não seja unânime, é inegável que a trama do JEC apresenta-se como a mais interessante desde Avenida Brasil, também de sua autoria. Mas, apesar de ser uma novela com muitas qualidades, expõe alguns erros pontuais que acabam comprometendo o seu desempenho geral.


A primeira falha de A Regra do Jogo foi ter começado com o bonde andando. A impressão que se teve é de que pegamos o folhetim pela metade. Nas primeiras semanas, foram várias alusões ao Massacre da Seropédica que deu uma reviravolta na vida dos personagens principais, porém era tudo muito nebuloso, difícil de decifrar. Agora está tudo mais claro e palatável para o público quem são os mocinhos e os vilões e pelo que eles se enfrentam. Finalmente, pode-se montar o xadrez humano das primeiras chamadas, com os personagens vestidos de preto ou branco. Mas acredito que se a novela começasse durante o período em que ocorreram as mortes, apresentando os personagens antes do crime e dando ao público a oportunidade de ver e não deduzir o que aconteceu, a novela começaria com o pé direito. Os telespectadores criariam um vínculo muito maior com os personagens. Sei que o autor quis preservar o mistério, mas era sim possível expor a tragédia sem revelar tudo.

Um dos principais fatores responsáveis pela rejeição de Babilônia foi a falta de drama e romance, elementos necessários para atrair o público noveleiro. Os personagens expeliam ódio e ressentimento e não se sabia bem para quem torcer. E A Regra do Jogo repetiu o mesmo erro. A trama é bem armada, instigante e cheia de reviravoltas, mas falta "novela", falta emoção. Tanto que os melhores momentos da trama eram as cenas de Romero (Alexandre Nero) e Djanira (Cássia Kis). Numa novela onde a violência, o ódio e as disputas correm soltos, esses momentos tocantes de carinho entre uma mãe resistente em acreditar no arrependimento do filho, mas louca para se entregar a esse afeto e recebê-lo novamente em seu coração, e um filho, embora desejando vingança, mendigando o amor da mãe que lhe expulsou de casa quando ainda era pequeno foram muito bem-vindos e dilaceradores.


Falando na personagem de Cássia Kis, ela se apresentou como uma das personagens mais interessantes da novela. Mais do que isso, a intérprete de Djanira entregava-se em todas as suas cenas e emocionava o público, o que contribuiu para impulsionar o início de A Regra. Entretanto, antecipada em um mês, a morte dessa personagem-chave da trama trouxe algumas reviravoltas nem tão proveitosas. É de se questionar o motivo dessa antecipação, uma vez que, ao contrário do esperado, essa perda acabou atrasando ainda mais o andamento do núcleo principal. Como prejuízo, a mocinha Tóia (Vanessa Giácomo) tornou-se frágil e manipulável nas mãos de Romero e muitos mistérios envolvendo a sua origem ficaram sem explicação. É curioso o fato que o autor tenha dado tão pouco destaque à morte de Djanira. Ainda que não tenha intenção de promover o famigerado "Quem matou?", o segredo envolvendo o assassinato da personagem foi abordado tão superficialmente que dissipou o interesse do telespectador. Além disso, os personagens, nem mesmo Tóia, sequer lembram do falecimento de Djanira, a despeito de suas ligações com quase todos os componentes do núcleo principal. Parece que o crime virou um "arquivo morto" na novela, desligado de qualquer abordagem. Não só o assassinato de Djanira, mas também o do Delegado Faustini (Ricardo Pereira), que o policial Dante (Marco Pigossi) nem lembra mais que existiu, nem investiga. Espero que o JEC tenha guardado uma carta na manga para explicar esses mistérios. Assim como, também, o sumiço do personagem de Jackson Antunes. O Tio tinha um cargo de confiança na facção, foi preso e, depois disso, ninguém sabe, ninguém viu... Fez um acordo de delação premiada? Fugiu?


Um grande acerto da novela é a Atena (Giovanna Antonelli). Ainda que seja uma vilã muito mais cômica do que cruel, ela encanta com seu charme, humor, leveza e tiradas, sendo a melhor personagem da trama. Não é exagero afirmar que o mérito do sucesso de Atena é  inteiramente de Giovanna Antonelli, que, mais uma vez, rouba a novela pra si, provando que desempenha com brilhantismo qualquer papel que lhe é proposto. O amor bandido entre a sua personagem e Romero é um dos maiores acertos da história, porque oferece ao público, em doses precisas, cenas emocionantes e divertidas. Chega a ser redundante falar que os dois são feitos um para o outro e ressaltar a inegável química entre a Antonelli e o Alexandre Nero, mas nunca é demais reconhecer isso. 

Se, por um lado, o casal Romena é o único que comove o público, convencendo-o a acreditar que os bandidos também amam, é com Ascânio (Tonico Pereira) que Atena forma a melhor dupla da novela. A genialidade, entrosamento e humor dos atores é notório e, com isso, fazem dessa parceria um feliz encontro profissional. Quase sempre interligados, os personagens têm protagonizado as melhores cenas cômicas da novela, ainda que esse não seja o propósito principal do núcleo. Após anos vivendo o mesmo personagem (Mendonça) no seriado A Grande Família, Tonico Pereira agora faz um personagem não tão distante do anterior, mas com uma interpretação original e desponta como uma grata surpresa na novela, sempre ótimo em suas cenas e saindo-se muito bem nessa experiência em novelas. Atena e Ascânio servem de contraponto aos vilões mais barra pesada, como Zé Maria (Tony Ramos), Orlando (Eduardo Moscovis), Gibson (José de Abreu) e todo o núcleo da facção criminosa.


Por falar em facção, essa é a trama mais forte e interessante da novela. Com os ajustes realizados para conferir maior clareza aos olhos do público, hoje já pode-se dizer que é um acerto, ainda que inicialmente tenha causado estranheza dos telespectadores. A propósito, o mérito é do autor, por captar bem a realidade atual, trazendo um tema pertinente e intrigante à tona, transformando a história em uma trama policial bem amarrada e conduzida, com doses certas de ação e suspense. A revelação de que Gibson era o Pai da facção e a entrada de Kiki (Débora Evelyn) deram uma chacoalhada na trama, que finalmente voltou a andar e engrenou de vez. Mas a novela só melhora quando intensifica os dramas pessoais dos personagens em detrimento ao massante joguinho de gato e rato entre a facção e a polícia. Toda hora a polícia arma uma emboscada para prender o Zé Maria, mas ele sempre consegue escapar. A polícia da novela é totalmente ineficiente, pois não consegue enxergar um palmo à frente do nariz. Assim como a facção, que consegue matar todo mundo e já tentou matar a Tóia de todas as maneiras (várias delas bem ridículas), mas nunca conseguiu.

Aqui cabe um puxão de orelha na equipe de edição de A Regra do Jogo, que tem acentuado ainda mais o abismo textual entre o núcleo principal e o Morro da Macaca. As falhas de edição, cortes e mesclas de cenas são evidentes até para um telespectador leigo. Basicamente, os capítulos têm o primeiro e o último bloco dedicados à trama principal, ao passo que a parte do meio fica restrito às tramas paralelas e núcleos cômicos. Dessa maneira, as histórias secundárias ficam ainda mais avulsas dentro da novela e ocupam quase a integralidade do capítulo, tornando-o enfadonho e seus núcleos mal distribuídos. Para piorar, as cenas que merecem destaque, como as sequências de ação e romance, são picotadas pela edição da novela, muitas vezes exibidas em partes, prejudicando o clímax cênico e jogando um balde de água fria no telespectador que tanto aguardou por esses momentos.


É certo que não há como se escrever uma novela com mais de cem capítulos por vários meses baseada apenas na trama central. Entretanto, dessa vez, o JEC não foi nenhum pouco feliz na construção dos personagens voltados para o humor. A história do MC Merlô (Juliano Cazarré) e suas dançarinas não empolga, é boba e repetitiva. As cenas do quadrilátero amoroso Rui (Bruno Mazzeo), Tina (Monique Alfradique), Oziel (Fábio Lago) e Indira (Cris Vianna) também não agradam, são prolongadas e limitam-se ao lugar-comum. O excesso de cenas cômicas, exibidas ininterruptamente, é tão incômodo que nos remete ao antigo Zorra Total. A propósito, é impressionante como a maioria dos núcleos do Morro da Macaca não engrenou. O que dizer da sofrida Domingas (Maeve Jinkings) e do abominável Juca (Osvaldo Mil)? Foi uma reconstrução pífia da história de Catarina (Lília Cabral) e Leonardo (Jackson Antunes), já abordada em A Favorita. Porém, essa "figurinha repetida” não consegue emplacar como anteriormente, pois o texto não tem o mesmo impacto, as atuações não correspondem às expectativas e a própria realidade não é mais a mesma, muito embora, infelizmente, ainda existam muitos casos assim. Embora surreal, a entrada de Carmo Della Vechia vivendo o misterioso César, que invadiu a casa de Domingas e engataram um romance, deu uma melhorada nessa trama. Voltando à comicidade, por fim, está o menos sofrível dentre os núcleos de humor: o "lado B" da família Stewart, encabeçada por Feliciano (Marcos Caruso). Sem dúvida, é mais uma trama completamente deslocada na novela, o que dificulta o telespectador afeiçoar-se àqueles personagens. Entretanto, as atuações individuais salvam a subtrama de um fracasso completo, com destaque para o próprio Caruso, impecável em seu timing, aos disparates de Dalila (Alexandra Richter), às discussões de Mel (Fernanda Souza) e Janete (Suzana Pires) e à pertinência da funcionária Dinorah (Carla Cristina Cardoso).




A Regra do Jogo é uma boa novela, sustentada em uma trama central sólida e próspera, porém, com vários erros pontuais em seu desenvolvimento. Mas é uma novela fora dos padrões convencionais. Tem na receita muito mais suspense e ação do que drama e romance, deixa o público intrigado e sedento por revelações e uma dinâmica inovadora muito parecida com a de seriados americanos. Talvez, se fosse, de fato, uma série ou uma novela das 23h o resultado seria mil vezes melhor. É um trabalho de muita qualidade, porém para o qual o grande público ainda não está preparado. Mas é assim que a evolução da TV acontece, abrindo caminho, ousando, errando e acertando.


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