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quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Clássicos: Beto Rockfeller


Não é só do fenômeno Avenida Brasil que vive a nossa teledramaturgia. Pensando nisso, o Eu Critico Tu Criticas adotou a filosofia da grande cantora e pensadora contemporânea Débora do Falsete e também "vamos levar cultura para esse povo" com a seção Clássicos, que relembrará sucessos do passado que marcaram toda uma geração desde os primórdios da teledramaturgia brasileira. E para começarmos com pé direito, nosso primeiro clássico será a revolucionária Beto Rockfeller.


Era para ser só mais uma noite na boate Dobrão, local da moda em São Paulo no final dos anos 60, do qual o autor Cassiano Gabus Mendes, então diretor artístico da Tupi, era um dos sócios. Ele e o ator Luiz Gustavo passaram horas entretidos com um sujeito simpático e boa-pinta, que roubava as atenções da mesa onde se comemorava o aniversário de uma jovem da alta sociedade. O rapaz chegou, entregou flores à aniversariante, arrancou gargalhadas do grupo, tirou a garota para dançar e pediu que tocassem um tango. Os dois deram um show na pista de dança, foram aplaudidos e saíram juntos da boate. Curioso, Luiz Gustavo se aproximou da mesa e perguntou quem era o convidado. Ninguém conhecia. Tampouco ele havia sido convidado para a festa. O ator se lembra até hoje do comentário de Cassiano Gabus Mendes: "Este cara dá um ótimo personagem". Naquela noite, os dois já saíram dali com o nome do personagem definido: Beto, apelido bem brasileiro, e Rockfeller, sobrenome de uma das maiores fortunas internacionais da época. O próximo passo foi entregar a ideia nas mãos de Bráulio Pedroso, mas como o autor era do teatro e pouco entendia sobre televisão, seus textos eram adaptados pelo diretor da novela, Lima Duarte. Cassiano, Bráulio e Lima estavam por trás de uma trama simples, mas que marcou uma grande revolução na televisão brasileira.

Exibida e produzida pela extinta TV Tupi entre 4 de novembro de 1968 a 30 de novembro de 1969 no horário das oito da noite, Beto Rockfeller contava a história de Alberto (Luiz Gustavo), mais conhecido como Beto, um charmoso representante da classe média-baixa que morava com os pais e a irmã num bairro pobre de São Paulo e trabalhava como vendedor em uma loja de sapatos. Malandro e ambicioso que só, ele se transforma em Beto Rockfeller, primo em terceiro grau de um magnata norte-americano, e consegue penetrar na alta sociedade, através de sua namorada rica, Lu (Débora Duarte), filha dos milionários Otávio e Maitê (Wálter Forster e Maria Della Costa). Assim, ele consegue frequentar as badaladas festas e as rodas da mais alta sociedade paulistana, cheia de gente bonita e famosa mas sem poder tirar selfie com ninguém porque naquela época isso ainda não existia.
Nessas, Beto acaba ficando indeciso entre duas mulheres: a temperamental e sofisticada Lu, rodeada de gente importante, e a inocente Cida (Ana Rosa), sua humilde namoradinha da vizinhança. Quem Beto preferirá afinal? Enquanto vacilava entre esses dois extremos, Beto tinha de fazer todo tipo de trapaça para que sua origem pobre, que já não era mais segredo para Renata (Bete Mendes), jovem grã-fina decadente, não fosse descoberta pela grã-finagem. Para se safar das confusões, o malandro conta sempre com a ajuda dos fiéis amigos Vitório e Saldanha (Plínio Marcos e Ruy Rezende).


Com uma história simples, Beto Rockfeller promoveu uma grande inovação na TV, dividindo a teledramaturgia brasileira em duas fases: antes e depois de Beto Rockfeller. Se o público atual reclama bastante dessa overdose de tramas realistas com repetição de ambientação (favela + Rio de Janeiro) e temáticas (realidade + violência urbana) que o horário nobre da Globo vem apresentando, nos anos 60, a overdose era de superproduções melodramáticas, privilegiando tramas rocambolescas de capa e espada, romanticamente fantasiosas e, em geral, ambientadas em longínquos cenários. A Tupi já estava em crise e, como não tinha condições para bancar uma superprodução, queria uma novela de baixo custo. A melhor maneira de baratear foi evitar vestuários e cenários de época para usar roupas comuns e incluir locações e externas. Essas mudanças exigiram inovações no texto. Bráulio Pedroso recorreu ao cotidiano urbano brasileiro, usando um tom coloquial nos diálogos, dando espaço para os improvisos dos atores e centrando o foco num anti-herói: um mero funcionário de uma loja de calçados que se infiltra na alta sociedade. Tudo isso fez Beto Rockfeller virar mania nacional.



O protagonista, que consagrou Luiz Gustavo como um dos melhores atores da teledramaturgia brasileira e o alçando a popularidade nacional, passava longe do galã convencional. Esperto, malandro, ambicioso e cheio de ginga, abusava do charme para se passar por milionário e manter duas namoradas, uma humilde e outra ricaça. Era uma ousadia um personagem como este nos anos 60. Se existiram tipos como Foguinho (Lázaro Ramos) e o Comendador José Alfredo (Alexandre Nero), devemos agradecer a Beto Rockfeller, o Pai de todos os galãs anti-heróis da nossa dramaturgia.

O tom leve e brincalhão era realmente bem diferente das novelas produzidas na época. Tudo o que se fazia, até então, era pautado pelo melodrama. Por isso, Beto Rockfeller foi um divisor de águas. O sucesso foi tanto que a novela acabou esticada em vários meses, provocando uma "barriga" imensa na história (mas que continuou mantendo a alta audiência) e uma verdadeira "deserção" na equipe. Bráulio foi substituído por uma trinca de autores, liderados por Eloy Araújo, Walter Avancini entrou no lugar de Lima Duarte e o próprio Luiz Gustavo se ausentou algumas semanas das gravações. É que a Tupi não queria terminar a novela de jeito nenhum. Tipo a Record com Os Dez Mandamentos, sabe? Por isso, em 1970, no rastro do sucesso da novela, foi lançado o filme Beto Rockfeller, dirigido por Olivier Perroy e protagonizado pelo ator-personagem Luiz Gustavo, mas nem de longe conseguiu obter a mesma repercussão. Em 1973, Bráulio Pedroso escreveu uma continuação: A Volta de Beto Rockfeller, com parte do elenco original. E, novamente, não conseguiu a repercussão esperada.

Foi em Beto Rockfeller que a telenovela recebeu o primeiro merchandising. Como Beto bebia muito uísque, Luiz Gustavo fez um acordo com um fabricante de um remédio contra ressaca, o Engov, e faturava cada vez que engolia o produto em cena. O combinado do ator com a empresa do Engov, que estava chegando ao mercado, era: cada vez que Beto dissesse a palavra “Engov”, o ator ganharia 3 mil cruzeiros (o salário da Tupi era só de 900 por mês). A novela foi também a primeira a utilizar tomadas aéreas. Os técnicos voaram de helicóptero para gravar uma cena de pesadelo do personagem-título. Outra inovação foi a trilha sonora, que deixou de trazer temas sinfônicos tocados por orquestras e utilizou sucessos pop da época para dar tema aos personagens e embalar as cenas de festa.

O diretor Lima Duarte representou, pelo menos, uns cinco papéis de personagens que desapareciam da trama sem que seus rostos fossem conhecidos pelas câmeras. Neste caso, não pela falta de um ator, mas pela carência do cenário. Ainda houve uma cena polêmica em Beto Rockfeller que causou o maior escândalo: uma cena de sexo entre os personagens de Ana Rosa e Luiz Gustavo. Os dois se beijam, se abraçam, a câmera desce para os pés e só mostra o vestido e o sutiã dela caindo, dando a entender que transariam. A censura da época caiu em cima, mesmo tendo sido sutilmente dirigida.

Hoje, infelizmente, não existem mais os capítulos da novela. O pouco que sobrou de suas filmagens está guardado na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. Quase todos os capítulos foram apagados pela própria Tupi, que usava as fitas para gravar por cima os capítulos seguintes. A Tupi já passava por dificuldades financeiras e todos os projetos que apareciam tinham de ser feitos com baixos custos, mas que trouxessem lucros para a emissora. Beto Rockfeller foi um caso a parte, sendo um fenômeno de audiência e repercussão e obrigando a Globo a mudar completamente sua dramaturgia com Véu de Noiva. Mas essa história fica pra outro dia…


FONTES: Extratos da reportagem Antes e Depois de Beto, sobre os 40 anos da novela (jornal 'O Estado de São Paulo'), Teledramaturgia (do Nilson Xavier), De Noite Tem... Um Show de Teledramaturgia na TV Pioneira (de Mauro Gianfrancesco e Eurico Neiva, 'Giz Editorial') e Revista Pesquisa FAPESP.


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